Roberto Gamito
18.09.22
A isso se designa destino.
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Roberto Gamito
18.09.22
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Roberto Gamito
20.02.21
Aprendemos, por tentativa e erro, a tecer as nossas vidas. Ninguém nos ensina a fabricar uma teia em condições, pelo que, ao poisarem nela, os sonhos rapidamente esvoaçam para longe, ridicularizando a esparrela. O fardo de uma vida desprovida de alegria, a qual podíamos traduzir como vida sem norte, sem destino, uma vida de autêntico náufrago. Podíamos afirmar, sem exagero, que o Homem, enquanto bicho acanhado a braços com a sua vida, é o protagonista num palco inclinado, quer vejamos a peça como tragédia ou farsa.
Dessa cisão entre o que foi e o que poderia ter sido irrompe o eflúvio que contamina os passos ulteriores. A ficção sangra e afugenta o futuro.
A inflação da depressão desgastou as relações industriosas com o mundo para lá do ponto de ruptura. Personagem ou o meu retrato?
Os demónios, hierarquizados numa escala de gritos, aguardavam nos bastidores por esta oportunidade a fim de que as suas ideias fluíssem sem obstáculos para o vazio gerado pela depressão.
O suicídio passou a atormentar-me os dias. Condenado à competição perpétua com os cães que me abocanham, qual Actéon tornado veado, reinterpreto a minha biografia como um erro dispendioso.
O fogo dos últimos dias não deve ser consumido cru. Queremos exercer o controlo das nossas vidas, mas o titereiro não consente.
No âmago, as frases desordeiras descrevem, ao chegarem à mão fragmentadas, um sentimento de frustração. Volta e meia renasço. O amor pelas pequenas coisas arruinou a minha experiência.
Roberto Gamito
18.02.21
Tempos houve em que era submisso ao cume. A pandemia abriu-me os olhos para a impossibilidade de continuar com a escalada solitária. Na altura, o meu maior desejo era perder a pele nessa empresa, renascer como animal outro e vivaz. Projecto adiado, cabeça atafulhada de fantasmas ingovernáveis. Cada pergunta sem respostas ameaça desdobrar-se em guilhotinas. O que é que isso faz às ideias? Sem dar por isso, ultrapassamos esse sentimento de que somos alguém e metamorfoseamo-nos no expoente máximo da nova nulidade.
Ambiente envenenado, parca capacidade negocial, pelo que os demónios se regozijam ao rés da jugular. Poeta, animal de luz alimentando-se de biscates e cruzes quebradas. Não frequento nenhum círculo de Dante. Troquei os dias por grilhetas, os suspiros por mordaças, as asas por garrotes. Não encontro primavera nesse olhar. Aprendi a emudecer antes de tempo graças à escola da vertigem.
De resto, permaneço idêntico: enterro os cornos na folha, como se ensaiasse um mergulho de criança, sem jeito nem porquê, e não sem ironia ponho o umbiguinho no papel, como os outros, porém com pólvora. Vou-me alimentando desses eclipses, desses animais fugidios, desses… Resumidamente, falta-me pedalada para encontrar alegria seja onde for. De maneiras que sou incapaz de me abstrair do inferno. Idealmente, devia abortar o eu.
Creio que podíamos dividir os Homens entre os que compilam noites destas — trevas por esmiuçar, demónios por catalogar, nem que seja só para admirar — e os que, hipnotizados pelos paraísos artificiais, não o fazem. É superficial encarar o mundo apenas como um receptáculo de perfumes. Em tempos idos, fui numa viagem para ver se conseguia regatear o regresso. Seja como for, este espectáculo tresanda a morte.
Roberto Gamito
22.12.20
Bem sei que tenho sido, não poucas vezes, derrotado pela depressão, por esse negrume tentacular que faz de mim o seu joguete. Avanço custosamente pelo labirinto da minha existência com o fardo desse denso nevoeiro a rondar-me. Volta e meia ausenta-se, ou finge ausentar-se, e ocorre um certo alívio. Todavia, aquando do seu regresso, ignoro se nos abandonou provisoriamente para ter formações, ataca-nos ainda com mais competência.
A depressão, tal como a ansiedade, que também a tenho, é uma doença do Eu. Um Eu que, atirado como uma bola entre o passado e o futuro, se esqueceu da sua estatura.
Aí entra a comédia. A leveza, se preferirem. No limite, o projecto de levar a vida de mão dada com a comédia consiste em deixar de estar no centro das atenções. Ao contrário do que se possa cogitar, não é tarefa de somenos. Pôr o foco da atenção noutra coisa que não o Eu é tornar a vida mais leve. Que sei eu da vida? Que sabe a vida de mim? Não me parecem maus começos para erigir um sorriso ou uma gargalhada.
Em francês há uma palavra que nos pode auxiliar: dégonfler, termo caro a Alexandre O’Neill, poeta hábil em baixar a crista aos galos postiços. Em Português, seria qualquer coisa como desimportantizar, como nos escreve Joana Meirim no seu ensaio sobre o aedo presente no livro O Cânone, recentemente editado pela Tinta da China.
Presentemente, num mundo cada vez mais centrado em si mesmo, viciado em ver no espelho qualidades inexistentes, tempo em que o ego é rei e senhor, tal abordagem pode ser contraproducente. É quase criminoso parar o baile das vaidades com uma anedota, com um “esperem lá, os gigantes afinal são anões”.
A comédia não serve para quase nada. Mas, se baixarmos as defesas, pode ofertar-nos um conselho de como lidar com as derrotas, sublimando os falhanços de maneira bem-humorada. Aliviar o peso. Não é uma grande vitória, é a vitória possível. Sem a manutenção operada pela comédia, o Eu tornar-se-á demasiado grande para ser curado.
Roberto Gamito
02.12.20
Movimento-me, para usar a expressão da escritora George Eliot, com o agasalho da estupidez. Por não dispormos de informação adequada, com base na qual possamos tomar decisões cruciais na nossa vida, optei, inteligentemente, por viver a vida ao calhas.
Em todo o caso, a verdade está-nos vedada. Devemos ir-nos familiarizando, sistematicamente, com a nossa invulgar incapacidade de navegar no mundo. Os faróis encontrados aqui e ali no decorrer da nossa jornada não nos impedem de naufragar. Eis-nos, inevitavelmente, agarrados ao primeiro destroço que lograrmos jogar a mão. As luzes e as ajudas são amiúde pirotécnicas, postiças; os deuses, figuras decorativas. Não há mapas aos quais possamos recorrer para escapar ao labirinto da noite. O inferno é, quase sempre, inescapável.
Somos criaturas espantadiças, bichos incrivelmente vulneráveis, com uma complexa rede de medos. Com ou sem paciência, estamos à espera que nos ouçam. Mas antes disso — e depois disso — decepcionar-nos-emos catastroficamente.
As palavras doces e o calor humano providenciam-nos uma forma de interpretar o mundo com novos olhos ao mesmo tempo que diminui o tom da ansiedade.
A ansiedade, se traduzida para algo poeticamente palpável, é uma lente de magnificar criaturas sem rosto.
Entramos em pânico, esteja ele à superfície ou a borbulhar no nosso mundo interior, porque sentimos, certeiramente, como é fino o verniz da civilização, como um episódio que se afigura perfumado está, de facto, preso por arames. Uma palavra errada e deitaremos por terra o castelo de cartas de uma relação. Seja como for, a vida está à mercê da voragem: o que parecerá hoje importante será amanhã pulverizado pela memória. Quão aleatórias são, com efeito, as nossas escolhas. À luz dos nossos dias, o passado revela facetas insuspeitas sobre nós próprios. As criaturas que nos amedrontaram, se resolvidas pela razão, transformam-se em bichos de estatura risível.
Com um sem crescimento emocional, continuamos à mercê daquilo que nos foge. Isso exacerba a ansiedade para níveis inauditos.
O primeiro passo para a serenidade emocional é a aceitação. Porém, nesse capítulo, somos homens-estátuas.
Somos leopardos a viver num mundo só nosso. Volta e meia vemo-nos despertados, inesperadamente, para uma nova realidade.
O dardo tranquilizador — ou o dardo exacerbador — disparado há dias, semanas, meses começou a surtir efeito. Não havíamos ainda tido oportunidade de perceber a sua presença.
Os efeitos principiam, aos poucos, a fazer-se notar no corpo e na mente.
O passado mal digerido, mesclado com o dardo vindo do outro conduzem-nos para a província da depressão. Sentimo-nos felinos perdendo o vigor, exibindo uma agressividade sonolenta.
O predador tombado pelo passado e pelo futuro.
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