Com uma cara despovoada de alegria, como se as minhas bochechas fossem impróprias para o cultivo de felicidade, sentado na cadeira de uma esplanada com uma postura de aspirante a contorcionista, e agradecendo desde já ao desconforto perene das cadeiras que, se bem digerido, pode ser transformado em lições para a vida e dores crónicas, uma ou outra, que a odisseia é feita de escolhas, cogito em como a vida é uma sucessão de equívocos sem remédio. A comunicação cada vez mais me parece uma utopia. Duas pessoas dialogam, melhor dizendo, atiram-se para a conversa com esse fito, e é hilário, principalmente se lograrmos comprar um bilhete de observador a fim de assistirmos a esse desentendimento galopante. A pessoa x diz algo, a pessoa y distorce esse algo, respondendo à sua maneira àquilo que pensa ter ouvido, o x, ao receber as ondas sonoras de y, distorce novamente, e assim continua esse pingue-pongue absurdo no qual a bola vai sofrendo uma metamorfose a cada golpe de raquete. Começa por ser uma um bola modesta de pingue-pongue, de seguida transforma-se numa bola de andebol, e à milésima troca de palavras já estão a trocar entre si animais, primeiro tigres, depois elefantes e por último quimeras. Nunca fomos grande espingarda a ouvir, mas concedam, não preciso subornar ninguém para que concordemos que já ninguém ouve ninguém. O quê?, respondem vocês. O diálogo, quer seja no mundo real, quer no virtual, é uma farsa. Ouvir requer compromisso, dedicação, e nós, viciados numa novidade que há-de vir, não nos podemos demorar nas palavras dos outros. No fundo, a conversa actual é fazer tempo até à zaragata.
Enquanto isso, dado que não sou imune às milhares de solicitações que nos assediam, observo com a minúcia de um paparazzi as mesas que me bordejam na pastelaria com olho semi-interessado. Estou vivo, pelo menos é isso que continuo a dizer às pessoas de molde a evitar dar explicações, e as conversas, raramente fluidas, prosseguem aos solavancos, sendo que cada salto nos transporta para outro caminho distinto. Dito de um modo mais maneirinho, conduzimos as conversas aos ziguezagues, qual bêbado que tenta chegar a casa e julga ter descoberto um atalho no milheiral. O Diabo, o qual saiu do inferno com a esperança de vender caminhos que não levam a lado nenhum, fica fulo por lhe terem estragado o negócio e entra no twitter para descarregar a sua raiva.
Não tenho grande interesse nem agenda em impingir seja o que for aos outros; não sou dono da verdade, nem sócio, aliás, nem sequer trabalho na empresa. Falo do que vejo sem fins lucrativos, e, como míope, calha muitas vezes estar a falar de ficções.
A temperatura de fazer murchar cactos catapulta-me para outras paragens, a saber: o que é pior: o calor ou os mosquitos? Poderemos chamar vida a uma existência que consiste em dar bofetadas raivosas no nosso corpo de trinta em trinta segundos com a ideia de matar alguns dos vampiros minúsculos? No melhor dos quadros, parecemos dançarinos falhados, alguém que não singrou no TikTok e leva uma pobre existência no denominado mundo real a ser coreografado pelos incansáveis chupistas. Até eu, que pouco disto de um monte de merda, mereço um futuro melhor.
Separamos o trigo do joio, juntamo-los de novo, em virtude de promovermos boas relações entre o que é diferente, ruminamos afincadamente sobre o calor e os mosquitos e chegamos à conclusão de que os mosquitos são o nosso pior inimigo. Com essa informação na cabeça, tomamos medidas, medidas essas que mais tarde poderão servir de inspiração para um grupo geralmente esquecido: os malucos sem ideias. Enchemos a banheira de rãs e fazemos figas para que elas façam o seu papel, o qual é comer mosquitos pondo a língua de fora como se fossem pequenos Einsteins de quatro, e que não se ponham com delírios de que a banheira não é um habitat digno para rãs e comecem, por conseguinte, a reivindicar insectos exóticos. Para contornar o calor, mas indo pela senda da sombra, que, embora não pareça, não somos palermas nenhuns, em virtude da banheira estar ocupada pelas devoradoras de mosquitos, optámos pela mangueirada diária na tentativa vã de nos livrarmos de cheiros que, num clima de sedução, nos estouram as hipóteses de sermos bem-sucedidos na cama, na cozinha ou onde calhar.
Entretanto cai um copo na aldeia, o cérebro migra para esse acontecimento, principiam as apostas: há neurónios a apostar que o copo vai partir-se, outros, que não vai. Cada vez que o copo bate no chão é uma hipótese de desfecho. Desta vez o copo não se partiu, declaram os neurónios da facção vencedora. Para a próxima logo se verá, dizem os neurónios da facção perdedora.
E se eu não fosse tão parvo, pergunto-me, uma ideia pejada de potencial mas de difícil concretização, como acabaria eu esta crónica? Não sei, só posso falar do que sei, como disse um mimo num momento de desabafo enquanto via a pomba invisível fugir-lhe mais uma vez. Em todo o caso, tenho de deixar de perguntar coisas a mim próprio: raramente tenho respostas às minhas questões.
![Rãs na Banheira Rãs na Banheira]()