Roberto Gamito
01.04.21
Dia carcomido pela luz, alfinetado no quadro de cortiça qual escaravelho raro. Puído e sem préstimo, o homem. A braguilha acalorada confeccionando os altos e baixos da língua. Teia e aramista no fio da navalha. Verbo apneísta conjugado à moda antiga. E em tudo fracassam.
Troço entre o matadouro e a florista. Possivelmente, contadas cobaias a descrever o trajecto. O ronco que preludia o jacto de esperma. O apito inaudível aos demais que marca as faltas no campeonato do coração. A morosa morte a que chamamos vida. Trinta ou mais anos perdidos em castings. No entanto, não há meio de ficar com o papel de homem realizado.
Furibundo, grafita a sémen a Vénus de Milo. O modo untuoso com que a hipocrisia cola a máscara ao rosto. Temporada a legendar quadros abstractos. Meta em farrapos, atletas baleados pela partida.
O rol de tronos. Após noites de muita labuta, o artista arrombou a fórmula do século. Prenderam-no na manhã seguinte.
A diferença entre o depois e o antes, o delta tumefacto. As lentes, jogo empoderador das ampliações. A estatura real ao abandono.
A respiração, essa, sem saída. A fuga enquanto posterior labéu. Autómatos perfeitos, mesmo apunhalados não param de sorrir. O actor — e palhaço — importa-se que eu desça o pano? Um lenço imenso, humedecido com toda a tristeza humana. Batimento ambíguo fácil de integrar numa história por um farsante. Ímpeto embusteiro injectado no diálogo. No império do mesmo, o curto-circuito dos antónimos. Intempérie de beco, tempestade de rua mal-frequentada, calamidade de casa a cair aos bocados.