Roberto Gamito
25.11.20
— Rezo a Deus para que não tenhas emprenhado mais alguma.
— Mãe, sou uma pessoa nova, dono de uma pila criteriosa, até tenho um chapéu e tudo. Quando entro em casa alheia a desoras o meu intuito é facultar o meu ombro amigo às mais carenciadas. Vamos lá ver uma coisa: eu pratico o bem. É um bem de autor.
— António Farturas, onde é que fica o ombro?
— Ao pé dos testículos, como seria de esperar. Tive 20 a anatomia humana.
— Mas tu nem tens a quarta classe, António. Aliás, eu bem me lembro da tristeza: a tabuada dos dois quase te levou a um esgotamento.
Gera-se um compreensível embaraço, e a mãe, cuja fé no filho nunca atingiu níveis satisfatórios, ajoelhou-se e disse a Deus para não se aborrecer mais, era um caso perdido.
— Filhote, tu não mudaste nada. Continuas o mesmo burro de sempre. Onde é que eu falhei?
— Queres mesmo que te diga? Não usares contraceptivos demonstra a tua insensatez. Fizeste-me de qualquer maneira. Já viste como é que o mundo está? Puseste-me num mundo a abarrotar de venenos e obstáculos.
— Farturas, é terrível para uma mulher de peito vivido descobrir subitamente que, ao longo de toda a sua curta mas penosa existência, não disse nem fez qualquer coisa capaz de te desemburrar. Serás capaz, alguma vez, de dizer algo inteligente?
— Talvez, mas não prometo nada. Mas hoje não, sabes bem que com pressão transformo-me num super-burro.
— Ao menos, quando falo contigo, põe o pirilau para dentro das calças. Sou tua mãe, mereço respeito.
— Compreendo a tua posição, porém não vou acatar. Sabes que sou nervoso nos diálogos e preciso de me sentir livre para cuspir umas palavrinhas. Se puser o pénis para dentro das calças, transformo-me num mimo.
— Suspeito que não há resquício de lógica no que acabaste de dizer.
— Suspeitas? Mas agora trabalhas na polícia. O que mais me enerva é pessoas sem estudos opinarem à queima-roupa sobre aquilo que desconhecem.
— Desconhecem? Sou tua mãe. Fui eu que lavei essa miséria durante anos a fio.
— Pormenores. Mas vamos lá tirar uma coisa a limpo: está ou não está a ser uma conversa memorável.
— Não lhe chamaria memorável.
— Não sabia que a minha progenitora era poeta. Ai agora as palavras não te servem. Urge usar a palavra certa, caso contrário tudo de esboroa.
— Não estou a gostar do tom, António Farturas.
— Pronto, temos professora de música. Uma pessoa já não pode desafinar um bocado e leva uma repreensão. Deixa-me criar no tom que eu quiser.
— Farturas, por que raio estás a levitar?
— Disparatar deixa-me mais leve.
— Sai da minha casa que eu não estou para aturar magias.