Roberto Gamito
11.02.21
O estômago cantarola qual galo madrugador e irritadiço, como que perguntando: "mas és algum monge a jejuar?" Por esta altura — 13:30 — já deveria estar com o bucho apaziguado com paparoca da boa, contudo, a fim de manter viva a tradição de garatujar uma crónica diária, preciso de me manter sensivelmente desperto e escrever um punhadinho de linhas.
Vou explicar-me um nadinha melhor, na óptica de um sujeito propenso a ficar bochechudo e afavelmente roliço, o confinamento é uma província atreita à engorda. Quem, como eu, endeusa a comida em situações aflitivas, que é como quem diz, vê na comida um refúgio, isto é, uma morada à qual me socorro sem enguiço quando sou assolado por tempestades existenciais. No pináculo da angústia, vi-me agarrado a coisas que há muito não recorria, a saber: filipinos, batatas fritas do pacote e rebuçados. Grosso modo, decidi parar no apeadeiro do açúcar — ou como se designa na gíria, as merdas que fazem mal à saúde — antes de ingressar no território inescapável da depressão. Chucho os rebuçados como quem pede um desejo a um santo, distribuo dentadas numa generosa sandocha de presunto como quem passeia e esventra uma paisagem com os pés infatigáveis, sorvo coca-cola como um bebé americano que nasceu com o porte de um rinoceronte avançado, o qual, alapado à mãe, a suga como se fosse um cancro chorão.
Lá vamos levando a vida aos trambolhões, com a cabeça entre as orelhas, pontuando as desgraças com tiradas bem-humoradas. Por estes dias a felicidade está ausente, porém não podemos deixar de a postular e de a procurar. Resumidamente, nunca foi tão clamoroso o apelo de encher o cu com vista a afugentar momentaneamente a tristeza. Bem, vou confeccionar o almoço.