Roberto Gamito
27.01.22
É impossível respirar num domínio estranho à metáfora. É vital transportar a urgência do salto para as palavras — elas que vivam a vida que fomos incapazes de alcançar, elas que voem por nós.
Qual moço de recados, o intelectual actual, mais amigo do entretenimento do que da arte, recebe sem entraves as ideias do cliente, mudando a sua postura e preço conforme as ocasiões. As pernas abertas substituíram as mentes abertas. Concedo, é uma atitude muito mais lucrativa. Prodigalizando os seus gemidos, simulando orgasmos de cada vez que ouve um papalvo pronunciar uma baboseira, apressa-se a montar a ponte fantasiosa da empatia, em suma, propõe modelos de comportamento que rivalizam com os de uma gelatina. Adapta-se a tudo como um rato. Se fosse sério, diria: “tudo quanto sei aprendi-o com uma prostituta”.
Embora não perceba peva de humor, especializa-se no riso difícil. Os Homens, para ele, não passam de pichas endinheiradas. Tenta pôr à venda a sua amargura de pacotilha, a qual em tempos já teve mais saída, deitado, ficciona a sua cruz, qual dragão, no topo de uma montanha de dinheiro amiúde sonhada. Foge dos problemas essenciais, dado que é conhecedor desta verdade absoluta: quando alcançamos as profundezas, os problemas conduzem à bancarrota e deixam a fragilidade do intelecto à mostra. Presentemente, ir ao fundo é interdito.
Pintemos o retrato do intelectual contemporâneo. Tudo lhe é hostil: a sua solidão, a intrepidez de rasgar as convenções, os deuses que povoam o silêncio, os demónios que lhe segredam aos ouvidos e o manifesto nada. É um ilustre embusteiro. Ignoro como logra ficcionar a sua verticalidade sem se desfazer em lágrimas. Ele, e os seus confrades mais acanhados, os quais pararam a meio caminho, uma vez que não profetizaram qualquer gratificação no cume, fecundam com esporra importada, isto é, citações, o percurso dos néscios. Ei-los, papagaios armados ao pingarelho, investigadores da superfície e agricultores sem mão, amantes de vertigens desérticas, destituídas de frutos, angariadores de cus ambiciosos, entretidos a transplantar a sua mediocridade para o plano universal.
Se o pensamento se assoma à ponta da língua, fazem marcha-atrás e arrumam o discurso na trivialidade. Escravo da visão literal, o intelectual fica cercado pelo seu próprio ego. Epígonos estéreis do primeiro papagaio virtuoso. Depois de tais palavras sobre o intelectual e seus filhos, uns e outros tão maravilhosamente amontoados na pilha dos inúteis, creio termos adquirido o direito à banalidade sem nos sentirmos culpados.