Roberto Gamito
26.07.21
Burocratizei a trajectória da bala, gritou o poeta no cadafalso.
Lume parasita e exageradamente pago; do outro lado da história, o silêncio magoa no pino da solidão. O século-eunuco ocupa os dias a foder-nos em vastos salões vazios. Laivo de ouro povoado por palavrosas sanguessugas recém-chegadas, vida relatada — ó maravilha das maravilhas! — por abutres. Uma despedida em linha recta.
Não se assuste, menino, eu não vim para ficar, ribomba a tempestade. No entanto, terá de me suportar. No atoleiro onde os pirilampos descobriram o seu âmbar, os Homens tentam, engessados, ensaiar novas danças. O xamã — aquele que vê no escuro — prosseguia com o ritual funéreo, a luz acabara de falecer. O único ser vivo à altura da morte.
Mar revolto, pequenos pinguins vigiados pela fome do leão-marinho, gigante quando comparado com os pequenotes torpedos que na água descobrem o seu voo. As ondas rebentam num festival de espuma selvagem, regurgitando pinguins ao calhas como pevides, uns safam-se com sorte, outros com mestria, enquanto alguns cessam a coreografia na boca do predador. O mar baralha os destinos dos pinguins e cada um tenta a sorte onde o precipício entoa o seu hino. Perdigotos cuspidos pelo mar nunca afónico. O leão-marinho permanece imperturbável no seio das tormentas. Os pinguins pressentem-no: um salto em falso, um capricho oceânico e é o fim.
O pinguim aproxima-se da boca inimiga como que empurrado por uma mão fluida, todavia foge à boca do Golias por um triz. Sem tempo para celebrações, prossegue a fuga em terra com os seus passinhos atabalhoados. O leão-marinho, espicaçado pela sorte do pinguim fêmea (o pinguim macho fica no ninho com a cria) sai das águas com grande pompa cinematográfica e vai no seu encalço, também ele atabalhoado. Tudo fica mais claro. Fora do seu meio, leão-marinho e pinguim, presa e predador, exibem, na sua forma de andar, o lado ridículo disto tudo. Ao rés do pinguim, o leão-marinho tenta abocanhá-lo mas tropeça na rocha. Ao ver o seu pitéu andante afastar-se, desiste e regressa ao mar. A sua reputação de temível predador sofreu um rombo, escreveu o pinguim jornalista. A cria, a qual espera ansiosamente pela refeição trazida pela mãe, nunca saberá o preço a que o peixe está.