Roberto Gamito
03.12.20
O mundo persiste no seu cantarolar, uma ou outra lição, mas o aluno fecha de pronto os ouvidos à instrução. Neste momento, tenho o caderno aberto ao acaso. Nessas páginas vivem humildemente alguns rabiscos com ares de prosa, linhas empilhadas de molde a aquecer as unhas, sobre as quais passeiam sem pinga de interesse um par de moscas. Pousam, voam e voltam a pousar na orla das garatujas. É proverbial o interesse das moscas pela escória. Provavelmente, voam com vontade de encontrar algo melhor para as suas vidas, tal como o ser humano faria na sua situação. Porém, ao darem uma voltinha generosa pela pastelaria, admirarem bolos e rabos à mostra, chegam à conclusão de que não há merda melhor que as minhas páginas. Não refuto. Em todo o caso, é uma forma sofisticada — à falta de melhor palavreado — de me baixar a crista. Inclinar-me-ia, caso fosse embalado por uma maré de empáfia, a afirmar que as minhas palavras se aproximam sem medo do ouro. Assim sendo, resta-me a resignação. Acolho com agrado o trabalho destes pequenos editores alados. Seria óptimo, por exemplo, na escrita de piadas. Conspurcávamos um punhado de folhas de larachas: aquelas que fossem agraciadas pela visita das moscas, seriam descartadas. Já vi métodos de selecção piores, reflectirão vocês, quando tiverem tempo para pensar na vida.
Compreendo que o primeiro impulso seja enxotá-las, visto que a maioria de nós padece de um ego frágil. E isso acontece porque nos rebelamos imaturamente contra o esforço necessário para transformar as críticas do insecto versado na porcaria em lições sensatas. Sejamos sérios: não há ambiguidade nenhuma na avaliação se houver um casal de moscas a fornicar em cima do vosso poema.
O cenário ideal para as moscas: a merda perfeita.
Necessitam de aceitar a avaliação o quanto antes, riscá-lo e partir para outro.