Roberto Gamito
15.12.21
Há um conto dos Irmãos Grimm intitulado de João Esperto que nos ensina que ser literal é sinónimo de ser tolo. João Esperto é literal qual activista no twitter, é inábil em aprender com a experiência, e, como se isso não bastasse, é péssimo a tomar decisões.
Aonde vais?, João, pergunta a mãe. Ao que João riposta: “A casa de Margarida”. É um conto nos moldes de uma anedota, há um padrão de deixas que vão mudando ligeiramente a cada interação.
Margarida enceta a conversa: “Bom dia, João. Que trazes de bom?” Ao que o João Esperto responde maquinalmente: “Não trago nada, quero é receber.” Eis uma pessoa sincera no capítulo das prendas de Natal, dir-me-ão. Margarida oferece-lhe uma agulha. Adeus, Margarida, despede-se o João. Aqui estou do lado do João, uma pessoa que nos oferece uma agulha nem merece um obrigado.
Mas e a esperteza do João? Calma, meus jovens, o João Esperto guarda a agulha numa carroça de feno e segue-a até casa. Chegou a casa, contou à mãe o que a Margarida lhe havia oferecido e onde havia guardado a agulha. A Mãe responde-lhe: “Então foste burro, João. Devias ter espetado a agulha na manga.” João Esperto finaliza: “Não faz mal, faço melhor para a próxima.”
Numa segunda ida à casa de Margarida, obtém uma faca. Faz o que a mãe lhe diz e guarda-a na manga. E perde-a. Ao contar o sucedido, é de novo acusado de ser burro. Desta feita, a mãe aconselha-o, após apodá-lo novamente de burro: “Devias ter guardado a faca no bolso.
Mais uma vez regressa à casa de Margarida, mais uma vez recebe um presente. Uma cabra. Grande salto, passámos de agulha e faca para uma cabra. João Esperto ata-lhe as pernas e enfia-a no bolso — dá jeito tê-los grandes ou então João Esperto era um gigante. Quando chega a casa, a cabra está morta. Devias tê-la atado a uma corda, diz a mãe.
À quarta ida à casa de Margarida, esta dá-lhe um pedaço de toucinho. João, inteligente como é, ata o naco de toucinho a uma corda e arrasta-o. Desafortunadamente, os cães não conseguem permanecer indiferentes ao toucinho e devoram-no.
Ao contar o sucedido à mãe, a sua progenitora comunicou-lhe: “Foste burro, João, devias ter levado o toucinho à cabeça.”
À quinta ida, Margarida deu-lhe um bezerro. Margarida é uma mulher com posses, cogita o leitor. É uma mulher dessas que eu preciso para a minha vida. A minha vida dava uma volta se me oferecessem uma cabra e um bezerro. João, perspicaz como poucos, põe o bezerro à cabeça e o animal pisoteia-lhe a cara.
A mãe: “Devias ter levado o bezerro à manjedoura”. Caramba, o João Esperto não acerta uma, apesar de, alegadamente, aprender com a experiência.
À sexta, Margarida diz: “Quero ir contigo”. A mãe: “E que tal?”
João: “Margarida acompanhou-me.” Mãe: “E?” João: “Está atada à corda, presa à manjedoura. Forneci-lhe alguma erva.”
Foste burro, disse a mãe, devias ter-lhe deitado olhinhos. Neste capítulo, não consigo dar razão à mãe. Quando estamos em boa companhia, o local é secundário. Está bem que João errou em atá-la, mas todos nós erramos.
Por fim, João Literal arrancou olhos a vários bezerros e ovelhas e atira-os à cara de Margarida. Margarida não apreciou o gesto e deu de frosques. Nunca mais viu a Margarida.
Eis um testemunho capital: a paixão não sobrevive ao pé do literal.