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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

13.11.22

Não resisti e dei-lhe um murro nas trombas. A culpa foi dele, começou a pensar antes de cada frase. O silêncio enoja-me. Ele que venha agora dizer-me que gosta de poesia e reforço-lhe a dose. A paciência tem limites.
Dei voltas ao miolo, não vi outra solução senão pegar na cabeça dele e ensaiar um xilofone no balcão da taberna. Não correu como esperava, a música não é ofício de uma tarde, é para se ir fazendo.
Poucas pessoas sabem o que é poesia, confundem-na com uma chave que destranca pernas exigentes, e até que não desgosto do engano. É altura de colonizar o espaço mental com tempestades, lâminas e arrancar ao perfume os nomes conducentes aos passos em falso. Metade do trabalho está feito, o resto é convosco. Fiz o mais difícil, concretizar sem medos uma frase sem nexo.
Se apanhou e calou, a culpa é dele. Já há meses que anunciava a leva de carinhos ásperos. Teve mais que tempo para se preparar. A melhor defesa é...apanhou logo, nem o deixei acabar. Tanta forma de se defender e o gajo recorre a uma frase rançosa? Apanhou foi poucas. Afastar-me dele por causa disso? Que estupidez, nunca estivemos tão amigos. A coça afinou-o por dentro, até dá gosto, parece um relógio suíço. Juro-vos pela saúde do meu Piruças que, no que depender de mim, Deus me dê forças e as finanças não mas retirem, hei-de manter esta amizade dê por onde der.

*

à parte os galos amealhados em petiz, permanecia cabeça dura. uma cabecinha esculpida pela queda que até metia dó. o coração, tão confiável como um economista a mandar palpites na televisão, de queixo caído a cada esquina, confundindo as didascálias do quotidiano com a voz das musas, a braços com o judo poético, usava o força do mundo contra ele. a força poderia parecer, aos olhos dos ciclopes contemporâneos, insuportavelmente tóxica.
X., cercado pelo destino qual chouriço encurralado por uma família de alentejanos, pensei eu na pausa de outro conto, tipo personagem saída das goelas de Xerazade. não confiem nessas lengalengas: não há forma de adiar a lâmina.
temos de acabar, carpe a mulher, espera, riposta o macho, se aguentaste dez anos de uma relação de merda também aguentas mais dez minutos, agora ouves o que calei durante este tempo todo.
amor...
querido, ou melhor, ex-querido, estraguei a juventude a aturar-te, só de acordar ao teu lado esfrangalhava-me os nervos durante o resto do dia, metes-me nojo e está tudo bem. casei com um homem que mais parece um caniche a quem lhe foi ensinado a andar na vertical num circo de vão de escada. no campeonato dos medíocres, és um campeão, palmas para ti. o nosso amor foi um flop. afadigavas-te em cama alheia, não é, ornitólogo de pássaras implumes? e o pior é que nem foder sabes. e agora: o que digo às minhas amigas? como explicar esta relação de dez anos?
quero acabar.
isso não é assim, minha amiga, retruca o homem, tens de dar dois meses à casa.

*
 
O livro: abro-o conforme a sede, sepulto-me nele e eis-me regressado das águas com outro nome com a cabeça de João Baptista às costas. A memória é uma estante inacessível.
Ando por aí
amparado em ficções
a fazer dos cornos do Diabo as andas
com que simulo a intrepidez em cima das áscuas.
Sou o cornaca do meu inferno.
O marcador dos livros é a caneta. O apeadeiro da leitura transformado em semente de montanha. Pedi-Lhe a sombra. A interpretação é uma farsa, todas as frases são ruas de sentido único. O que me falta para ser igual aos outros mortos? A sombra foi-me concedida. A verdade tem um certo gosto em encurralar-nos. Estamos de novo nas vésperas de uma nova página, nós que, após o êxodo das mãos esquerdas rumo ao Hades, ficámos maravilhosamente indefesos contra o ignoto. Com efeito, escrever e ser descrente é a mesma coisa.

Cornaca do meu inferno, Roberto Gamito

 
 


Roberto Gamito

13.11.22

Filho de dois homens imaginários, condição que o livrava dos vieses dos artistas contemporâneos, perdia as tardes a esgaravatar no mármore à procura do rosto do homem. Adulterando a frase de Borges, bradava a quem quisesse ouvir: o ser humano vive da ficção que todos os dias acontece algo diferente.

Numa ocasião forense atípica durante a qual vacilava no cadáver de um anjo caído, um desumano exercício de restauração, gania afinado: hei-de ressuscitar o mal nem que seja a última coisa que faça.
 
De um lado Fernando Pessoa e a sua tanga: "eu sou uma antologia", do outro, o anónimo: "em calhando, serei uma nota de rodapé".
 
Um dia chegaremos à conclusão que a arte não é senão um complexo, tortuoso e labiríntico manual de tortura com vista a esfrangalhar o projecto das inúmeras levas de Narcisos.
 
Também não é preciso abrir as asas, a ficção de gigantismo não afasta a fome fulminante do predador alado. O tom deste século é o de uma velha solteirona que deixou a vida escapar-se-lhe entre os dedos.
 
Ser anónimo, actualmente, é experimentar a coreografia do neutrino: não interagir com nada nem com ninguém. Eis a pureza que ninguém esperava.
 
Agrilhoado a uma cona esfomeada, qual Prometeu que ignorava tudo sobre o fogo. Ao longe, as águias de Zeus parecem corvos e abutres. Mas alegrem-se, tenho uma boa notícia para vos dar: vi um homem vergado sob o peso do seu conhecimento. Que aldrabão!
 
Salvem as cartolinas e o mundo que se foda. Assim se esgotam as alternativas. Coragem! Confiem nos vossos instintos, sejam vocês mesmos, amanhã o trend poderá ser outro.
 
Afectivamente falando, considero-me canibal. Estão cá dentro.
 
O importante não é achar o amor, é não parar de o procurar em todas as casas.
 
A vida adulta é o suicídio colectivo das perguntas. É abanar a cabeça para evitar problemas. É cada vez mais difícil fazer destrinça entre um resignado e um doente de Parkinson.
 
O aplauso serve tão-somente para ocultar o barulho do disparo. Lindo, o artista despediu-se com um sorriso nos lábios.
 
Curei-me da depressão, já não vou ao fundo. Sou o homem de cortiça. O poder terapêutico da parvoíce.
 
O humorista é pródigo em três coisas: disparates, choradinhos e regras dos três.
 
A minha mediocridade nunca cessa de me espantar: adapta-se a tudo o que faço. Isso há-de ter algum valor.
 
Nova profissão: porteiro de redes sociais. Alguém cuja incumbência é controlar as saídas e as entradas deste teatro de doidos.
 
Se Kafka tivesse nascido em Portugal, teria sido apenas um tipo com orelhas grandes. E isso só revela a escassez actual de capachos monumentais.
 
O artista sobe a palco e berra: não tenho nada interessante para vos contar. Bem, vamos à minha vida. Para o que havíamos de estar guardados.
Na sociedade do espectáculo vertiginoso, não confundir com a do Guy Debord, a arte não é uma arma, é uma faca de plástico de cor garrida.
 
Agradeço ao twitter por ter acabado com o mito do artista inspirado. Parece que ouço o meu avô, não tens nada nos cornos.
 
Mais uma errata. Porra, Fernando Pessoa, não acertas uma.
Só a arte é inútil.
 
Tenho três cães e mil fantasmas, sonhos esmagados e coração desfeito e pouca paciência para rodriguinhos. Há três coisas infinitas: o universo, a estupidez humana e as versões desta frase de Einstein.
 
Isto é tudo muito bonito, empatia, privilégio e os demais vocábulos de papagaio mas o que é certo é que basta uma noite mal dormida para o diplomata pôr a sua carreira em risco. E quem diz carreira diz pescoço.
 
Está bem, Confúcio, é melhor acender uma vela do que amaldiçoar a escuridão, mas porra, um gajo desfeito tem de se entreter com alguma coisa.
 
Oxímoro: modesta opinião. Se é opinião não pode ser modesta. Estamos conversados.
 
Não vou na cantiga dos artistas genuínos, só acredito quando vejo um homem esmagado pela vida. O resto é performance. Não me bombardeiem as vistas com teatros medíocres.
 
Se o humor desaparecer, a gigante começará a temer o anão.
 
Adie tudo, a menos que seja uma discussão. Evite ofuscar os medíocres, preferencialmente se não estiver disposto a levar no focinho.
 
Será que é mesmo necessário? Eis a minha resposta universal às ordens que me lançam.
 
Isto está uma merda, dir-me-ão. Já estava assim quando eu cheguei, eis uma das poucas frases que nunca poderá ser dita por Deus.
 

Império das Aspas


Roberto Gamito

13.11.22

O mundo não desconfia que se move conforme o meu plano. Fantoche assíduo nas mãos de Deus. O mentecapto explica:
a capacidade de alfabetizar o público com o fogo pertence ao passado. Contentem-se com esse refrão de aleijados.
 
Se não vos inquieta nem um pouco este bloco de gelo feito crisálida, apelidados por uns por outros de século XXI, dentro do qual mamutes e bichos cacaquéticos catequizam as cabeças em flor, cérebros empanturrados de factos cuja mão emperra a ponto da catástrofe diante da necessidade de dar o salto. O poeta explica: as Sibérias caseiras satirizam o dia em que o Diabo não se conseguiu efectivar diante Deus.
O inferno é tão-somente uma paródia de uma gaiola.
 
O gigante que lutava contra o alfabeto assassino calou-se. Romantizámos os pequeninos. Cada um é tanto Liliputiano quanto Gulliver. Tens medo da escuridão? Nada temas, basta um homem para iluminar o mundo. Do Paraíso não colhi nada a não ser o desespero de Botticelli ao dar-se conta que lhe faltava talento para pintar a salvação no abismo de Dante.
 
Falemos antes do dia em que omnipotência de Deus foi posta em causa. Temos de recuar bastante até um tempo em que o Narciso era uma figura patusca e marginal. Houve um momento em que o riso cilindrou a cólera divina. Quando, no inferno, Luciano e Diógenes riam sem entraves: eis o pesadelo dos deuses, poetas de perna curta e comediantes acagaçados. Urge recuperar um riso capaz abalar os pilares da criação, um riso qual seta envenenada rumo ao coração da ordem postiça.
 
*
 
Ó meu animal sem direito a nada, desdenhando uns e divinizando outros à queima-roupa, atulhando o teu desnorte com notas de rodapé, teimoso até mesmo com olheiras, aguentemos a porrada, os insultos e os aplausos, o sabor da vida passou-se para o lado da lendas; risos enlatados, textos enlatados, personagens e deuses enlatados, artistas que mais valia estarem numa lata, eis o miolo afadigado do homem contemporâneo.
 
Ridicularizo-me segundo as normas. Isso humaniza-me e ajuda-me a ingressar na feira das vaidades. Enquanto uns semeiam ódio, há quem seja mais prático e semeie dinamite nas entrelinhas, há-de rebentar com fileiras inteiras de exegetas, haters e bajuladores, o século há-de rebentar, uma pirotécnica de afónicos e papagaios. Não vos guardo rancor, guardo-vos num ponto para que nunca me esqueça da vossa dimensão, a parte boa é que trarão à tona as cosmicómicas de ITALO CALVINO, um tipo incontornável nestes temas.
 
O currículo é um tratado de humor se for proferido com a cabeça no cepo. Onde pensam que eu tenho estado este tempo todo?
 
Desentulhar obras como quem procura cadáveres de deuses caídos debaixo de migalhas. Eis um labor como qualquer outro.
 
Tens de humanizar o personagem. Humanizar mas é o caralho. Não vos guardo rancor, guarda-vos antes numa câmara anecoica, talvez assim compreendam. Com que então agarrados às vossas certezas? Quer me parecer que só precisam de estar a sós com o vosso sangue para enlouquecerem.
 

refrão de aleijados, Roberto Gamito


Roberto Gamito

02.11.22

Seja por falta de discernimento, seja por má vontade ou, quiçá, somente falta de treino, o discurso reinante das redes sociais, outrora múltiplo e hoje saído das mesmas goelas, encrespou-se, armadilhou-se, tornando o diálogo insustentável. Diariamente, travam-se debates humoristicamente interessantes como quem sai de casa de manhã para comprar pão: cada facção na sua trincheira, cada qual aproveitando uma hesitação ou um passo em falso do opositor para lançar mais uma granada branca, símbolo da paz contemporânea. A violência assoma-se entre as sílabas: a indignação, o pão nosso de cada dia. Depois do século passado, em que o homem, ao pressentir as grandes guerras e ao passar por elas de gatas, levou o cérebro às cordas, não se vê uma figura de envergadura intelectual capaz de pulverizar as várias matilhas, a saber: lamentação, indignação, estupidificação. Isso e outras coisas fazem-nos suspeitar que a província dos génios ficou para trás, irremediavelmente para trás e teremos, doravante, de pugnar pateticamente com a prata da casa. Falta-nos um homem — já nem peço mais — daquele calibre impossível de domar, bata ele de frente com um homem, uma multidão ou o mundo. Realizando um olhar panorâmico sobre este século que nos coube, damo-nos conta que, com a excepção de meia dúzia, toda a gente está receptiva à patranha. De facto, pondo a verdade e a mentira lado a lado, a última é suspeitosamente mais tragável que a verdade. Com receio de lascar os dentes e o sorriso, o qual é o cartão de visita da hipocrisia, ninguém lhe joga os dentes. Sustento teimosamente que, se encararmos por estes dias um homem desta estirpe, a sua intransigência seja sintoma mais que suficiente para lhe diagnosticarmos a loucura. A isto, o génio deve responder não, fazendo um pacto de sangue com a noite, a morte e o silêncio. Até com o Diabo, se tiver que ser. Na mente do génio: Nem todas as lâminas do mundo me poderão calar ou, sequer, adicionar uma palavra ao meu discurso. Contudo, independentemente da dimensão da luta, o Outro terá de entrar na equação sob pena de a matemática sair coxa da ardósia. Enfrentá-lo a cada linha, não consentir que os embusteiros persistam, alegres e cheios de esperanças, na sua campanha desenfreada pelas terras outrora pertencentes à razão. Como pôr o outro na equação quando este se nega a ouvir o que quer que seja? Como lidar com quem faz orelhas moucas a tudo o que não seja o seu reflexo ou uma imagem supremamente elogiosa sobre os seus gestos e pensamentos? Continuo a não ver como se pode harmonizar tudo isto. O ciclo repete-se; já Cícero se debateu com os meus problemas. Se a palavra cura, pressuposto no qual já não aposto as fichas todas, talvez tenha perdido o efeito de outrora ou, mais triste, já não sabemos utilizar a língua plena. Mesmo aquando do milagre de partilhá-la com os outros nos moldes mais auríferos, do outro lado há um Homem obstinadamente surdo.

O primeiro passo para romper o ciclo é compreender que estamos engaiolados num refrão escravizante. Nesse sentido, perceberíamos o Tempo como um larápio que volta pela enésima vez ao lugar do crime para roubar aquilo que roubou das outras vezes. Nisso, o homem é uma vítima prestável, uma fonte inesgotável de “mais do mesmo” apreciado pelo Tempo. Ao compreendermos que estamos num ciclo, seja ele modesto, seja ele de estirpe mítica como o Mito de Sísifo, cria-se uma hipótese de distanciamento, com sorte frutífera. Este distanciamento pode ser de jaez humorístico ou, pelo contrário, acentuar a tragédia. O primeiro passo está dado. O homem só pode ser encarcerado num ciclo infinito se abdicar do voo da imaginação. Outro passo indispensável a fim de obliterar um ciclo é encontrar a paz interior. Aquele que logra encontrar a paz no meio das tormentas é capaz de tudo, até romper uma maldição divina ou demoníaca. Mas é mais fácil falar do que fazer. É preciso não dar sossego à inércia, treinarmo-nos a bater de frente com o Minotauro, fazer com que o labirinto note a nossa presença, aprender a ver a fome e a sede como um bebedouro e não o partilhar com mais nenhum Deus. Dito de outro modo, não dar sossego aos medíocres, não desperdiçar a pólvora em fantasmas, não dar mais um metro que seja aos cultores de absurdidades. Neste terreno mando eu e se ousarem entrar vão levar chumbo. Por fim, consentir que as variadas paixões nos fecundem e...relampejar sem medo que a patifaria recorra à guilhotina para nos cortar o pio. Não abrandar diante de quem quer imobilizar a língua.

 

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Roberto Gamito

27.10.22

O trajecto era simples: passar pela frase de Francis Bacon, o filósofo, a saber: aquele que não quer pensar é um fanático, aquele que não pode pensar é um idiota, aquele que não se atreve a pensar é um covarde; de supetão, rumar, aos solavancos mas cheios de ganas, para um dos quadros asfixiantes de Francis Bacon, o pintor. Não vou fingir que sou seu amigo, leitor que trocou as linhas pelo layout da foto para o instagram, ó tu que trocaste o filtro pelo abismo, não confundam arte com camisolas de lã, só há espaço para a ficção adiabática, são caminhos para lado nenhum. Na minha opinião, que ninguém pediu, as grandes mudanças decidem-se na mesa do acaso, para espanto de ocidentais e orientais.
 
Desde que principiei a empregar a expressão "calçar os sapatos dos outros" já não consigo empatizar com ninguém, salvo palhaços e jogadores de basquetebol. Calço o quarenta e seis e não vou, qual falsa dona do sapato de cristal, à semelhança do conto original da gata borralheira, cortar os dedos para que caiba na perfeição. Deus me livre de acreditar na religião, era sinal que me havia rendido. Ameaçar muito e não concretizar nada, a taberna apinhada de ditadores sem meios.
 
Quanto ao escrutínio da piada, seja ela qual for, venha ela de onde vier, o humorista só pode ser levado a sério quando se reformar.
Como o nosso século é pobre em homens de miolo livre, foda-se, Deus, dai-me paciência, mas não agora, de momento preciso que a raiva me consuma. Acolhemos nos nossos braços a lenda caquética do futuro, e sem prejuízo nenhum para os factos, coitados!, só sabem ser aquilo que são. Se por um lado nos acode à memória o filósofo do farto bigode com a sua célebre frase: "não há factos, só interpretações" e nem ele foi capaz de adentrar no oceano desta descoberta, por outro, temos Machado de Assis: "Proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as já achadas por outros".
 
Afinal quem é este que habita o meu nome? Fanático, idiota ou covarde? Adianto uma hipótese: rei pálido no centro deste movediço império das aspas. O homem partilha o nevoeiro com o cadáver de Deus, o amor, a morte, o infinito e os demais exércitos liliputianos de preocupações.
 
Somos tão pequenos; no entanto, farejamos o infinito.
 
Segue-se uma entrada do Diário de Deus.
Estive este tempo todo a caçar com fiéis cães empalhados. É continuar, equipa que ganha não se mexe. Detesto caça, é mais pelo humor de ver os perdigueiros verticais ficarem malucos quando sentem o rasto do infinito. É uma espécie de piada eterna. Como é inglória a vossa demanda, ó meus queridos cães empalhados.
 

Fanático, idiota, covarde


Roberto Gamito

23.10.22

Usualmente, não temos o menor interesse pela conversa do outro, seja esse outro quem for. Não queremos saber como lhe correu o dia, nem a semana, nem tão-pouco um resumo dos melhores momentos da década. Com a excepção dos cenários em que o engate tenta singrar até à cama, ninguém está minimamente disponível para escutar o outro. Infelizmente, poucos são os que, no início de uma conversa que se afigura longa e entediante, possuem a coragem para verbalizar “Não tenho o menor interesse nas tuas palavras. Hoje já ouvi demasiadas frases no trabalho, careço de cabeça para mais. Gostaria de estar em silêncio, espero que me compreendas”.
 
Todavia há fragmentos de conversa que espicaçam o morto em que nos fomos tornando, a saber: “Tenho de começar a ler.”
Antes de mais, é uma intenção pertencente à família “tenho de começar a ir ao ginásio”. Segundo me contaram, começar a ler, isto é, pegar num livro com intenção de ir além da capa, não requer um esforço sobre-humano. Deslocamo-nos a uma livraria, pegamos num livro, que nem precisa ser dos melhores, um franzino para começar não é mau, compramo-lo ou roubamo-lo, abrimo-lo, começamos na primeira linha e vamos, com pausas ou sem elas, até à última. Parece-me um exercício ao alcance do mais humilde dos Homens.
 
O que impede o Homem de ler? Será que levou a cabo um pacto demoníaco em que uma das alíneas era a impossibilidade de pegar num livro? Faz sentido, o diabo esconde-se nos detalhes e não quer ser surpreendido.
Como as pessoas mais vividas saberão, esse tipo de intenção é uma forma encapotada de exibir a culpa. A pessoa em questão sente-se culpada, crê que devia ler mais, porém nunca irá dar o passo em frente para remediar. Pertence à mesma casta daquelas pessoas que, verbalizando a sua vontade de escrever, perguntam em jeito de acrescento: Como começar?
Esse tipo de perguntas guardam em si já a resposta. Ou é de caras ou é impossível explicar. Alguém que pergunta como começar não pretende começar a escrever, está tão-somente a enganar-se a ele próprio. O mesmo sucede com o tipo que, confrontado com alguém que lê, declara: "Tenho de ler mais".
Não vais, não enganas ninguém.
 
Nisto, recordo-me que, em média, o português lê um livro por ano. Se calhar equivoquei-me, fui precipitado. Provavelmente o nosso país está repleto de pessoas que concretizam “tenho de começar a ler”. No entanto, ficam-se sempre pelo primeiro livro. E a cada ano que passa é como se tentassem novamente, porém não logram ultrapassar esse gigante que é o livro isolado.
 

Tenho de começar a ler


Roberto Gamito

21.06.22

Carne!, que bela palavra — melhor só saboreando cada sílaba apoeticamente, que é como quem diz, no prato ou no pão. Deixada à sua própria sorte num universo sem Deus nem acólitos da chicha, foi perdendo envergadura e a pouco e pouco foi relegada para o escaninho dos diálogos. Certamente é esse hábito de procurar a luz (leiam virtude se não quiserem recuar tanto) em sítios  insuspeitos — essa obsessão com a pureza e a genealogia dos actos que nos empobreceu o prato. Caso fosse amigo das saladas, e os meus ídolos mais saudáveis e pródigos em desculpas, e entoasse o canto desafinado, entornando-o sobre os frágeis carnívoros, os quais, banqueteando-se sem vontade nesse rodízio de explicações enobrecedoras, tais como, o meio ambiente isto, os animais aquilo, coisas que lhe sabem ao mesmo, frases sem sal incapazes de espicaçar a gula.

À medida que o palco da carne foi sendo vandalizado e surripiado pelos mongóis das couves, e a responsabilidade se transfigurou numa deidade vingativa e tonitruante, os amantes do churrasco foram estigmatizados, pelo que o acto de nos passearmos de tronco nu com uma bejeca à volta do barbecue pode estar votado à extinção. A indústria da culpa cilindrou mais um inocente: o amante da chicha.
Contudo, os devotos da carne impacientam-se em guetos, provavelmente engendrando uma teoria capaz de ombrear com a das verduras— até hoje sem sucesso. Longa vida à dinastia das saladas. Resta-nos esperar pelo Evangelho da Febra.

Invadir o círculo encantado dos paladinos das verduras e resgatar um pouco de razoabilidade não é tarefa fácil. A cólera catapultada desses seres de paz, assim diz a brochura, é inesperada e inesgotável. Os vegans vociferantes espezinham qualquer um que tenha a má decisão de levar uma entremeada à boca. Como diz o escritor, cada passada é um acto de tomar posse, as solas rangem de impaciência. Os rodízios metamorfosear-se-ão em casas de sopas.
Citando outro ilustre, é necessário uivar com os lobos, acrescento da minha lavra, improvisar a nossa animalidade enquanto palitamos os dentes e damos aos restos a oportunidade de ingressar no estômago. A tensão entre vegans e amantes da carne é, à falta de melhor termo, um afastamento da mensagem cristã. Onde antes havia uma maçã interdita agora há uma entremeada. Assim estamos de regresso à infância: quando os crescidos nos interditavam as vitrines apinhadas nas pastelarias: “isto não, nem aquilo nem nada do que está exposto, os bolos fazem mal à saúde, ou pedes um bagaço ou estás calado”, eis como se trabalha no Baixo Alentejo. 

Cabe-me a mim, enquanto historiador cujo labor é coleccionar os cumes da estupidez humana, citar um momento alto das cabecinhas contemporâneas, as quais atafulham as redes sociais com ecos estropiados. "Não se deve brincar com o veganismo." Hoje, para ganhar o favor dos críticos de pacotilha, devemos evitar fazer algo bonito do domínio do humor e baixar orelhas a tudo e todos. Felizmente, não sou daqui, sou turista neste século arruinado. Quando o pensamento e as ideias evaporam, como inevitavelmente acontece quando o eco se torna rei e senhor, o conhecimento e o pensamento é substituído por uma cultura de pechisbeque. Somos filhos do urinol, mas calma lá: ainda não joguei a toalha ao chão; a arte está morta, mas só descanso quando a ressuscitar, nem que para isso tenha de recorrer ao chapadão. À partida, isso parece difícil, porém é por aí o caminho do inédito. Nestes temas, o falso intelectual convida-nos à crucificação de molde a gerar a sua auto-ilusão, abatidos pelo linchamento, os comediantes são a bateria viva do seu mundo de fantasia. Chega de ver o século do alto, vamos lá ao humor. 

Migremos para este cenário: uma mesa rodeada em princípio por portugueses (1) sob a qual jaz um cão sonolento. Saliente-se um detalhe crucial: são portugueses vegans. Estão a sorrir e a dialogar ao som de dentadas nos vegetais— que selvagens, pensarão os amantes da febra, e com razão. Outro detalhe: o cão foi recentemente adoptado por um dos elementos da mesa, ou seja, não está ciente dos costumes dos sacerdotes dos legumes. Entretanto, cai uma cena da mesa. O cão desperta da sua vigia sonolenta, entusiasma-se e de seguida descobre que é só um bocado de repolho. Foda-se, que vida de cão (2), cogita o patudo (3), para isso tinham-me deixado na rua. Suspeito que, após a viver este inferno, que é ouvir uma coisa a cair da mesa vezes sem conta e dar-se conta que são legumes, há cães a apanhar depressões profundas.
Eu não merecia isto, cogita o canídeo, pensava que éramos os melhores amigos. Sejamos humanos, comamos animais — tantos animais quanto pudermos — para cumprir o propósito de fazer os nossos cães felizes. 

Como se isto não bastasse, os alimentos estão a perder sabor. O zénite deste desconsolo é comer um belo bife divorciado do seu sabor num prato sem alegria e harmonia no tocante às cores. Há designers que têm AVC só de olhar para a combinação de cores de certos pratos. 

Tal desarmonia no prato revela um profundo ódio ao glutão, o qual é incapaz de ignorar o ideal de beleza. Mandamos vir um prato cujo intuito é nos recordar o Nascimento de Vénus de Botticelli e apresentam-nos uma Guernica. É assim que as depressões aparecem. Mas onde mora o problema, perguntam vocês com a pança a dar horas. 

O mal disto tudo reside nos restaurantes gourmet, melhor dizendo, a tentativa de imitação por parte de restaurantes modestos. O empratamento que é artístico no gourmet é, no estaminé modesto, um terreno no qual foi despejado entulho. Se os olhos também comem, e daí que faça questão de armar a puta numa cabana gourmet e sair de lá com um olho roxo para não envergonhar o ditado, é igualmente verdade que, alguns restaurantes, ganhávamos mais se comêssemos de olhos vendados. O empregado de mesa chega-nos com uma tragédia no centro do prato e pensamos: "este prato não é resposta aos meus problemas de auto-estima". Quero comida capaz de transformar o mais ferrenho sedentário numa lebre turista. Regressemos aos fanáticos das sopas. Nunca viajei entre colheradas no caldo verde; todavia já me senti um Fernão de Magalhães num rodízio de carne. Os habitantes deste século dotados de horror ao naco, cuja labuta é injectar vergonha nos carnívoros, não podem descartar este lado: a jornada. Quando ferro o dente no naco, sinto-me a passear nos versos da Odisseia de Homero enquanto trinco e arroto poeticamente: “Pénelope, já vou, deixa-me só comer mais uma dose de picanha”. 

Apontemos o nosso cérebro enfezado para o restaurante gourmet. O que é aquilo? Eis a pergunta que fazemos diante de um quadro de Hieronymus Bosch ou de uma pratada sofisticada. Consintam que seja possuído pelo senhor Eça de Queiroz. Eis-me preparado para descrever o prato: no centro do prato jaz um objecto não identificado, que às vezes não é carne nem é peixe, e outras ambas, coberto de várias camadas de sofisticação e barroquismos, a saber: molhangas compósitas, caramba, nunca é um molho que caiba numa palavra, do seu nome não podemos esperar menos que um Homem Sem Qualidades de Musil; o cadáver incógnito é polvilhado por ervas que, não contentes com o seu nome original, são rebaptizadas como se fossem um nobre. Não é suficiente nomear a erva, é preciso acrescentar os mil apelidos, o seu nome em latim, a sua origem, a hora em que foi colhida. Calma, eu vim para comer, não sou médico de família, não me atravanque a cabeça com as suas dores. O prato parece uma mulher enfarpelada para ir a um casamento — enverga um penteado só para aquele dia. 

Nunca fui a um restaurante gourmet por vontade própria, sou gordo e tenho outras necessidades, mas há um pormenor que merece ser abordado. 

Eu, como outros indivíduos mais desconfiados, tenho medo que as ervas me firam as tripas. Como tal, caso me apanhe nessa situação, irei encetar uma operação delicada de modo a remover essa bagunça daquilo que, a meu ver, é comestível — uma migalha. Começo a suar e digo: “bem, vamos lá avançar para uma cirurgia delicada.” Objectivo: remover com segurança a chicha desses escombros barrocos.

Se nos tirarem a carne, tirar-nos-ão o lado social. Falo por mim, só socializo porque vou comer carne. Não me vão arrancar do sofá se o jantar for alcaparras e alcachofras. Resido neste corpo vai para três décadas, a contragosto, as rendas estão caríssimas, e não posso escapar às obrigações que a gula me impõe. Não ignoro que vivemos numa era em que a maçã é fluída, é carne, peixe e o mais. Se fosse hoje, Eva teria sido expulsa aquando da primeira trinca na entremeada. Disse-te para comeres a puta da maçã, Eva, grita Deus, era a única coisa que podias comer e tu não me deste ouvidos. Eu como aquilo que me faz salivar, retruca a Eva. Então come-me, brame o autor desta crónica.

 

  1. Reza a lenda que os nobres britânicos, fartos da caça à raposa, arranjaram um método de caçar portugueses. Punham uma mesa farta de acepipes no mato e era vê-los, aos tugas, a sair aos pinotes dos arbustos. 
  2. Isto não é ficção, é a tradução dos seus latidos. Tirei um workshop de fabulista na Golegã e encontro-me certificado para entender profissionalmente qualquer bicho doméstico. O próximo passo será entender os selvagens para que, de uma vez por todas, perceba a razão pela qual os bichos buzinam assim que o sinal verde do semáforo cai. 

  3. A primeira vez — e deus queira a última — que escrevo patudo. 

 

comam carne


Roberto Gamito

28.01.22

Quem nasceu primeiro: o voto ou o influencer? Se vadiarmos pelas redes sociais por estes dias dá a ideia que o influencer inventou a democracia num guardanapo, cinco minutos antes de mais uma sessão fotográfica. Nada o fazia prever: promotores de cremes, divulgadores de banalidades requentadas, papagaios versados em língua inglesa, empresários de filhos bochechudos, capazes de ir até aos confins do útero para monetizar o crescimento do pintelhito com vida, brindam o circo dos papalvos, não com imagens de locais paradisíacos, as tais migalhas para o bico do pobretanas, mas com a democracia — essa coisa pouco fotogénica, pelo menos segundo os padrões do World Press Photo. Ora, eu, enquanto privilegiado não praticante, não tenho voto na matéria, nem voto na luz. Seja como for, não é disparatado comunicar-vos que o influencer pegou no ceptro da condescendência e transformou-se numa espécie de missionário em terras de selvagens. Não sabem o que é o amor? Eu catequizo. Não sabem onde fica a Tailândia? Eu mostro. Ignoram que farpela escolher para um date? Eu auxilio. Não sabem distinguir o bem do mal? Eu doutrino. Não sabem ser verdadeiros e genuínos? Eu ensino-vos, deixem-me só acertar no tom de voz.

Se, na hierarquia dos estúpidos, o influencer ocupa o primeiro lugar, o tal cume reservado os antigos sábios, os quais foram escorraçados pelo Altíssimo por não terem pago as despesas do Nirvana, o sensato é uma figura que não destoa na prateleira dos mitos. Haverá algo mais humilhante para o Homem do que sentir que a voz que vem de cima é a de um boneco cujo cu é disputado por uma multidão de ventríloquos? Trata-se de um cu cantante regateado pelas marcas.

É necessário possuir um ego do tamanho do cosmos de molde a pensar da seguinte forma: caso eu não diga nada, estes labregos com a quarta classe mal tirada até se esquecem de ir votar. Eis a constelação de umbigos enobrecidos pelos números das redes sociais a cuspir pepitas das suas torres de marfim. Na cabeça deles, mudam o mundo; fora do seu mundo, o mundo permanece o mesmo.

Prosseguindo com tiques de vedeta nessa senda do Outro, disfarçamos bem a nossa loucura. Pensam, em nome de um mundo melhor, esmagar o eu, quando, na verdade, não passa de uma sofisticada manobra de diversão. Que grandes sonhos, comparados com os dos influencers, não se revelariam insignificantes. Alexandre, o Grande não é ninguém ao pé de um influencer com um milhão de seguidores, o qual, numa legenda de uma foto de rabo engalanado pelos filtros, educa os seus adeptos analfabetos.
A vontade de doutrinar a toda a hora, levada até aos meandros das sílabas, enoja-me. Desmascara o falso paladino da humanidade. Com efeito, não acredita no Homem, na melhor das hipóteses, vê nele um semi-boneco de plasticina que, graças às suas mãos divinas, tornar-se-á uma criatura apresentável.

Rejeito a sedução de um Eu cantante. A megalomania dos novos conventos apinhados de puritanos cheios de manhas, quando nos bastidores funciona um bordel, dá-me vontade de dinamitar o mundo. Nas palavras de Cioran, o niilista entre os niilistas, quem não admite o seu nada é um doente mental. Creio que estamos diante de um diagnóstico acertado. Malucos a doutrinar malucos: o universo cresce para albergar tanta loucura.

A opinião pública, isto é, os curadores de deuses, deixa-se ludibriar pelo espectáculo das luzes e pelo corrupio de sofrimentos de pacotilha. Mártires por geração espontânea, agendam dores para receberem a bênção do algoritmo. Obrigado, caros influencers, meus excelsos lembretes com pernas.

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Roberto Gamito

27.01.22

É impossível respirar num domínio estranho à metáfora. É vital transportar a urgência do salto para as palavras — elas que vivam a vida que fomos incapazes de alcançar, elas que voem por nós.

Qual moço de recados, o intelectual actual, mais amigo do entretenimento do que da arte, recebe sem entraves as ideias do cliente, mudando a sua postura e preço conforme as ocasiões. As pernas abertas substituíram as mentes abertas. Concedo, é uma atitude muito mais lucrativa. Prodigalizando os seus gemidos, simulando orgasmos de cada vez que ouve um papalvo pronunciar uma baboseira, apressa-se a montar a ponte fantasiosa da empatia, em suma, propõe modelos de comportamento que rivalizam com os de uma gelatina. Adapta-se a tudo como um rato. Se fosse sério, diria: “tudo quanto sei aprendi-o com uma prostituta”.

Embora não perceba peva de humor, especializa-se no riso difícil. Os Homens, para ele, não passam de pichas endinheiradas. Tenta pôr à venda a sua amargura de pacotilha, a qual em tempos já teve mais saída, deitado, ficciona a sua cruz, qual dragão, no topo de uma montanha de dinheiro amiúde sonhada. Foge dos problemas essenciais, dado que é conhecedor desta verdade absoluta: quando alcançamos as profundezas, os problemas conduzem à bancarrota e deixam a fragilidade do intelecto à mostra. Presentemente, ir ao fundo é interdito.

Pintemos o retrato do intelectual contemporâneo. Tudo lhe é hostil: a sua solidão, a intrepidez de rasgar as convenções, os deuses que povoam o silêncio, os demónios que lhe segredam aos ouvidos e o manifesto nada. É um ilustre embusteiro. Ignoro como logra ficcionar a sua verticalidade sem se desfazer em lágrimas. Ele, e os seus confrades mais acanhados, os quais pararam a meio caminho, uma vez que não profetizaram qualquer gratificação no cume, fecundam com esporra importada, isto é, citações, o percurso dos néscios. Ei-los, papagaios armados ao pingarelho, investigadores da superfície e agricultores sem mão, amantes de vertigens desérticas, destituídas de frutos, angariadores de cus ambiciosos, entretidos a transplantar a sua mediocridade para o plano universal.

Se o pensamento se assoma à ponta da língua, fazem marcha-atrás e arrumam o discurso na trivialidade. Escravo da visão literal, o intelectual fica cercado pelo seu próprio ego. Epígonos estéreis do primeiro papagaio virtuoso. Depois de tais palavras sobre o intelectual e seus filhos, uns e outros tão maravilhosamente amontoados na pilha dos inúteis, creio termos adquirido o direito à banalidade sem nos sentirmos culpados.

Intelectual contemporâneo, Roberto Gamito

 

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