Roberto Gamito
28.12.22
As melhores leituras de 2022.
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Roberto Gamito
28.12.22
As melhores leituras de 2022.
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Roberto Gamito
13.11.22
Roberto Gamito
13.11.22
Roberto Gamito
13.11.22
Roberto Gamito
02.11.22
Seja por falta de discernimento, seja por má vontade ou, quiçá, somente falta de treino, o discurso reinante das redes sociais, outrora múltiplo e hoje saído das mesmas goelas, encrespou-se, armadilhou-se, tornando o diálogo insustentável. Diariamente, travam-se debates humoristicamente interessantes como quem sai de casa de manhã para comprar pão: cada facção na sua trincheira, cada qual aproveitando uma hesitação ou um passo em falso do opositor para lançar mais uma granada branca, símbolo da paz contemporânea. A violência assoma-se entre as sílabas: a indignação, o pão nosso de cada dia. Depois do século passado, em que o homem, ao pressentir as grandes guerras e ao passar por elas de gatas, levou o cérebro às cordas, não se vê uma figura de envergadura intelectual capaz de pulverizar as várias matilhas, a saber: lamentação, indignação, estupidificação. Isso e outras coisas fazem-nos suspeitar que a província dos génios ficou para trás, irremediavelmente para trás e teremos, doravante, de pugnar pateticamente com a prata da casa. Falta-nos um homem — já nem peço mais — daquele calibre impossível de domar, bata ele de frente com um homem, uma multidão ou o mundo. Realizando um olhar panorâmico sobre este século que nos coube, damo-nos conta que, com a excepção de meia dúzia, toda a gente está receptiva à patranha. De facto, pondo a verdade e a mentira lado a lado, a última é suspeitosamente mais tragável que a verdade. Com receio de lascar os dentes e o sorriso, o qual é o cartão de visita da hipocrisia, ninguém lhe joga os dentes. Sustento teimosamente que, se encararmos por estes dias um homem desta estirpe, a sua intransigência seja sintoma mais que suficiente para lhe diagnosticarmos a loucura. A isto, o génio deve responder não, fazendo um pacto de sangue com a noite, a morte e o silêncio. Até com o Diabo, se tiver que ser. Na mente do génio: Nem todas as lâminas do mundo me poderão calar ou, sequer, adicionar uma palavra ao meu discurso. Contudo, independentemente da dimensão da luta, o Outro terá de entrar na equação sob pena de a matemática sair coxa da ardósia. Enfrentá-lo a cada linha, não consentir que os embusteiros persistam, alegres e cheios de esperanças, na sua campanha desenfreada pelas terras outrora pertencentes à razão. Como pôr o outro na equação quando este se nega a ouvir o que quer que seja? Como lidar com quem faz orelhas moucas a tudo o que não seja o seu reflexo ou uma imagem supremamente elogiosa sobre os seus gestos e pensamentos? Continuo a não ver como se pode harmonizar tudo isto. O ciclo repete-se; já Cícero se debateu com os meus problemas. Se a palavra cura, pressuposto no qual já não aposto as fichas todas, talvez tenha perdido o efeito de outrora ou, mais triste, já não sabemos utilizar a língua plena. Mesmo aquando do milagre de partilhá-la com os outros nos moldes mais auríferos, do outro lado há um Homem obstinadamente surdo.
O primeiro passo para romper o ciclo é compreender que estamos engaiolados num refrão escravizante. Nesse sentido, perceberíamos o Tempo como um larápio que volta pela enésima vez ao lugar do crime para roubar aquilo que roubou das outras vezes. Nisso, o homem é uma vítima prestável, uma fonte inesgotável de “mais do mesmo” apreciado pelo Tempo. Ao compreendermos que estamos num ciclo, seja ele modesto, seja ele de estirpe mítica como o Mito de Sísifo, cria-se uma hipótese de distanciamento, com sorte frutífera. Este distanciamento pode ser de jaez humorístico ou, pelo contrário, acentuar a tragédia. O primeiro passo está dado. O homem só pode ser encarcerado num ciclo infinito se abdicar do voo da imaginação. Outro passo indispensável a fim de obliterar um ciclo é encontrar a paz interior. Aquele que logra encontrar a paz no meio das tormentas é capaz de tudo, até romper uma maldição divina ou demoníaca. Mas é mais fácil falar do que fazer. É preciso não dar sossego à inércia, treinarmo-nos a bater de frente com o Minotauro, fazer com que o labirinto note a nossa presença, aprender a ver a fome e a sede como um bebedouro e não o partilhar com mais nenhum Deus. Dito de outro modo, não dar sossego aos medíocres, não desperdiçar a pólvora em fantasmas, não dar mais um metro que seja aos cultores de absurdidades. Neste terreno mando eu e se ousarem entrar vão levar chumbo. Por fim, consentir que as variadas paixões nos fecundem e...relampejar sem medo que a patifaria recorra à guilhotina para nos cortar o pio. Não abrandar diante de quem quer imobilizar a língua.
Roberto Gamito
27.10.22
Roberto Gamito
23.10.22
Roberto Gamito
21.06.22
Carne!, que bela palavra — melhor só saboreando cada sílaba apoeticamente, que é como quem diz, no prato ou no pão. Deixada à sua própria sorte num universo sem Deus nem acólitos da chicha, foi perdendo envergadura e a pouco e pouco foi relegada para o escaninho dos diálogos. Certamente é esse hábito de procurar a luz (leiam virtude se não quiserem recuar tanto) em sítios insuspeitos — essa obsessão com a pureza e a genealogia dos actos que nos empobreceu o prato. Caso fosse amigo das saladas, e os meus ídolos mais saudáveis e pródigos em desculpas, e entoasse o canto desafinado, entornando-o sobre os frágeis carnívoros, os quais, banqueteando-se sem vontade nesse rodízio de explicações enobrecedoras, tais como, o meio ambiente isto, os animais aquilo, coisas que lhe sabem ao mesmo, frases sem sal incapazes de espicaçar a gula.
À medida que o palco da carne foi sendo vandalizado e surripiado pelos mongóis das couves, e a responsabilidade se transfigurou numa deidade vingativa e tonitruante, os amantes do churrasco foram estigmatizados, pelo que o acto de nos passearmos de tronco nu com uma bejeca à volta do barbecue pode estar votado à extinção. A indústria da culpa cilindrou mais um inocente: o amante da chicha.
Contudo, os devotos da carne impacientam-se em guetos, provavelmente engendrando uma teoria capaz de ombrear com a das verduras— até hoje sem sucesso. Longa vida à dinastia das saladas. Resta-nos esperar pelo Evangelho da Febra.
Invadir o círculo encantado dos paladinos das verduras e resgatar um pouco de razoabilidade não é tarefa fácil. A cólera catapultada desses seres de paz, assim diz a brochura, é inesperada e inesgotável. Os vegans vociferantes espezinham qualquer um que tenha a má decisão de levar uma entremeada à boca. Como diz o escritor, cada passada é um acto de tomar posse, as solas rangem de impaciência. Os rodízios metamorfosear-se-ão em casas de sopas.
Citando outro ilustre, é necessário uivar com os lobos, acrescento da minha lavra, improvisar a nossa animalidade enquanto palitamos os dentes e damos aos restos a oportunidade de ingressar no estômago. A tensão entre vegans e amantes da carne é, à falta de melhor termo, um afastamento da mensagem cristã. Onde antes havia uma maçã interdita agora há uma entremeada. Assim estamos de regresso à infância: quando os crescidos nos interditavam as vitrines apinhadas nas pastelarias: “isto não, nem aquilo nem nada do que está exposto, os bolos fazem mal à saúde, ou pedes um bagaço ou estás calado”, eis como se trabalha no Baixo Alentejo.
Cabe-me a mim, enquanto historiador cujo labor é coleccionar os cumes da estupidez humana, citar um momento alto das cabecinhas contemporâneas, as quais atafulham as redes sociais com ecos estropiados. "Não se deve brincar com o veganismo." Hoje, para ganhar o favor dos críticos de pacotilha, devemos evitar fazer algo bonito do domínio do humor e baixar orelhas a tudo e todos. Felizmente, não sou daqui, sou turista neste século arruinado. Quando o pensamento e as ideias evaporam, como inevitavelmente acontece quando o eco se torna rei e senhor, o conhecimento e o pensamento é substituído por uma cultura de pechisbeque. Somos filhos do urinol, mas calma lá: ainda não joguei a toalha ao chão; a arte está morta, mas só descanso quando a ressuscitar, nem que para isso tenha de recorrer ao chapadão. À partida, isso parece difícil, porém é por aí o caminho do inédito. Nestes temas, o falso intelectual convida-nos à crucificação de molde a gerar a sua auto-ilusão, abatidos pelo linchamento, os comediantes são a bateria viva do seu mundo de fantasia. Chega de ver o século do alto, vamos lá ao humor.
Migremos para este cenário: uma mesa rodeada em princípio por portugueses (1) sob a qual jaz um cão sonolento. Saliente-se um detalhe crucial: são portugueses vegans. Estão a sorrir e a dialogar ao som de dentadas nos vegetais— que selvagens, pensarão os amantes da febra, e com razão. Outro detalhe: o cão foi recentemente adoptado por um dos elementos da mesa, ou seja, não está ciente dos costumes dos sacerdotes dos legumes. Entretanto, cai uma cena da mesa. O cão desperta da sua vigia sonolenta, entusiasma-se e de seguida descobre que é só um bocado de repolho. Foda-se, que vida de cão (2), cogita o patudo (3), para isso tinham-me deixado na rua. Suspeito que, após a viver este inferno, que é ouvir uma coisa a cair da mesa vezes sem conta e dar-se conta que são legumes, há cães a apanhar depressões profundas.
Eu não merecia isto, cogita o canídeo, pensava que éramos os melhores amigos. Sejamos humanos, comamos animais — tantos animais quanto pudermos — para cumprir o propósito de fazer os nossos cães felizes.
Como se isto não bastasse, os alimentos estão a perder sabor. O zénite deste desconsolo é comer um belo bife divorciado do seu sabor num prato sem alegria e harmonia no tocante às cores. Há designers que têm AVC só de olhar para a combinação de cores de certos pratos.
Tal desarmonia no prato revela um profundo ódio ao glutão, o qual é incapaz de ignorar o ideal de beleza. Mandamos vir um prato cujo intuito é nos recordar o Nascimento de Vénus de Botticelli e apresentam-nos uma Guernica. É assim que as depressões aparecem. Mas onde mora o problema, perguntam vocês com a pança a dar horas.
O mal disto tudo reside nos restaurantes gourmet, melhor dizendo, a tentativa de imitação por parte de restaurantes modestos. O empratamento que é artístico no gourmet é, no estaminé modesto, um terreno no qual foi despejado entulho. Se os olhos também comem, e daí que faça questão de armar a puta numa cabana gourmet e sair de lá com um olho roxo para não envergonhar o ditado, é igualmente verdade que, alguns restaurantes, ganhávamos mais se comêssemos de olhos vendados. O empregado de mesa chega-nos com uma tragédia no centro do prato e pensamos: "este prato não é resposta aos meus problemas de auto-estima". Quero comida capaz de transformar o mais ferrenho sedentário numa lebre turista. Regressemos aos fanáticos das sopas. Nunca viajei entre colheradas no caldo verde; todavia já me senti um Fernão de Magalhães num rodízio de carne. Os habitantes deste século dotados de horror ao naco, cuja labuta é injectar vergonha nos carnívoros, não podem descartar este lado: a jornada. Quando ferro o dente no naco, sinto-me a passear nos versos da Odisseia de Homero enquanto trinco e arroto poeticamente: “Pénelope, já vou, deixa-me só comer mais uma dose de picanha”.
Apontemos o nosso cérebro enfezado para o restaurante gourmet. O que é aquilo? Eis a pergunta que fazemos diante de um quadro de Hieronymus Bosch ou de uma pratada sofisticada. Consintam que seja possuído pelo senhor Eça de Queiroz. Eis-me preparado para descrever o prato: no centro do prato jaz um objecto não identificado, que às vezes não é carne nem é peixe, e outras ambas, coberto de várias camadas de sofisticação e barroquismos, a saber: molhangas compósitas, caramba, nunca é um molho que caiba numa palavra, do seu nome não podemos esperar menos que um Homem Sem Qualidades de Musil; o cadáver incógnito é polvilhado por ervas que, não contentes com o seu nome original, são rebaptizadas como se fossem um nobre. Não é suficiente nomear a erva, é preciso acrescentar os mil apelidos, o seu nome em latim, a sua origem, a hora em que foi colhida. Calma, eu vim para comer, não sou médico de família, não me atravanque a cabeça com as suas dores. O prato parece uma mulher enfarpelada para ir a um casamento — enverga um penteado só para aquele dia.
Nunca fui a um restaurante gourmet por vontade própria, sou gordo e tenho outras necessidades, mas há um pormenor que merece ser abordado.
Eu, como outros indivíduos mais desconfiados, tenho medo que as ervas me firam as tripas. Como tal, caso me apanhe nessa situação, irei encetar uma operação delicada de modo a remover essa bagunça daquilo que, a meu ver, é comestível — uma migalha. Começo a suar e digo: “bem, vamos lá avançar para uma cirurgia delicada.” Objectivo: remover com segurança a chicha desses escombros barrocos.
Se nos tirarem a carne, tirar-nos-ão o lado social. Falo por mim, só socializo porque vou comer carne. Não me vão arrancar do sofá se o jantar for alcaparras e alcachofras. Resido neste corpo vai para três décadas, a contragosto, as rendas estão caríssimas, e não posso escapar às obrigações que a gula me impõe. Não ignoro que vivemos numa era em que a maçã é fluída, é carne, peixe e o mais. Se fosse hoje, Eva teria sido expulsa aquando da primeira trinca na entremeada. Disse-te para comeres a puta da maçã, Eva, grita Deus, era a única coisa que podias comer e tu não me deste ouvidos. Eu como aquilo que me faz salivar, retruca a Eva. Então come-me, brame o autor desta crónica.
3. A primeira vez — e deus queira a última — que escrevo patudo.
Roberto Gamito
28.01.22
Quem nasceu primeiro: o voto ou o influencer? Se vadiarmos pelas redes sociais por estes dias dá a ideia que o influencer inventou a democracia num guardanapo, cinco minutos antes de mais uma sessão fotográfica. Nada o fazia prever: promotores de cremes, divulgadores de banalidades requentadas, papagaios versados em língua inglesa, empresários de filhos bochechudos, capazes de ir até aos confins do útero para monetizar o crescimento do pintelhito com vida, brindam o circo dos papalvos, não com imagens de locais paradisíacos, as tais migalhas para o bico do pobretanas, mas com a democracia — essa coisa pouco fotogénica, pelo menos segundo os padrões do World Press Photo. Ora, eu, enquanto privilegiado não praticante, não tenho voto na matéria, nem voto na luz. Seja como for, não é disparatado comunicar-vos que o influencer pegou no ceptro da condescendência e transformou-se numa espécie de missionário em terras de selvagens. Não sabem o que é o amor? Eu catequizo. Não sabem onde fica a Tailândia? Eu mostro. Ignoram que farpela escolher para um date? Eu auxilio. Não sabem distinguir o bem do mal? Eu doutrino. Não sabem ser verdadeiros e genuínos? Eu ensino-vos, deixem-me só acertar no tom de voz.
Se, na hierarquia dos estúpidos, o influencer ocupa o primeiro lugar, o tal cume reservado os antigos sábios, os quais foram escorraçados pelo Altíssimo por não terem pago as despesas do Nirvana, o sensato é uma figura que não destoa na prateleira dos mitos. Haverá algo mais humilhante para o Homem do que sentir que a voz que vem de cima é a de um boneco cujo cu é disputado por uma multidão de ventríloquos? Trata-se de um cu cantante regateado pelas marcas.
É necessário possuir um ego do tamanho do cosmos de molde a pensar da seguinte forma: caso eu não diga nada, estes labregos com a quarta classe mal tirada até se esquecem de ir votar. Eis a constelação de umbigos enobrecidos pelos números das redes sociais a cuspir pepitas das suas torres de marfim. Na cabeça deles, mudam o mundo; fora do seu mundo, o mundo permanece o mesmo.
Prosseguindo com tiques de vedeta nessa senda do Outro, disfarçamos bem a nossa loucura. Pensam, em nome de um mundo melhor, esmagar o eu, quando, na verdade, não passa de uma sofisticada manobra de diversão. Que grandes sonhos, comparados com os dos influencers, não se revelariam insignificantes. Alexandre, o Grande não é ninguém ao pé de um influencer com um milhão de seguidores, o qual, numa legenda de uma foto de rabo engalanado pelos filtros, educa os seus adeptos analfabetos.
A vontade de doutrinar a toda a hora, levada até aos meandros das sílabas, enoja-me. Desmascara o falso paladino da humanidade. Com efeito, não acredita no Homem, na melhor das hipóteses, vê nele um semi-boneco de plasticina que, graças às suas mãos divinas, tornar-se-á uma criatura apresentável.
Rejeito a sedução de um Eu cantante. A megalomania dos novos conventos apinhados de puritanos cheios de manhas, quando nos bastidores funciona um bordel, dá-me vontade de dinamitar o mundo. Nas palavras de Cioran, o niilista entre os niilistas, quem não admite o seu nada é um doente mental. Creio que estamos diante de um diagnóstico acertado. Malucos a doutrinar malucos: o universo cresce para albergar tanta loucura.
A opinião pública, isto é, os curadores de deuses, deixa-se ludibriar pelo espectáculo das luzes e pelo corrupio de sofrimentos de pacotilha. Mártires por geração espontânea, agendam dores para receberem a bênção do algoritmo. Obrigado, caros influencers, meus excelsos lembretes com pernas.
Roberto Gamito
27.01.22
É impossível respirar num domínio estranho à metáfora. É vital transportar a urgência do salto para as palavras — elas que vivam a vida que fomos incapazes de alcançar, elas que voem por nós.
Qual moço de recados, o intelectual actual, mais amigo do entretenimento do que da arte, recebe sem entraves as ideias do cliente, mudando a sua postura e preço conforme as ocasiões. As pernas abertas substituíram as mentes abertas. Concedo, é uma atitude muito mais lucrativa. Prodigalizando os seus gemidos, simulando orgasmos de cada vez que ouve um papalvo pronunciar uma baboseira, apressa-se a montar a ponte fantasiosa da empatia, em suma, propõe modelos de comportamento que rivalizam com os de uma gelatina. Adapta-se a tudo como um rato. Se fosse sério, diria: “tudo quanto sei aprendi-o com uma prostituta”.
Embora não perceba peva de humor, especializa-se no riso difícil. Os Homens, para ele, não passam de pichas endinheiradas. Tenta pôr à venda a sua amargura de pacotilha, a qual em tempos já teve mais saída, deitado, ficciona a sua cruz, qual dragão, no topo de uma montanha de dinheiro amiúde sonhada. Foge dos problemas essenciais, dado que é conhecedor desta verdade absoluta: quando alcançamos as profundezas, os problemas conduzem à bancarrota e deixam a fragilidade do intelecto à mostra. Presentemente, ir ao fundo é interdito.
Pintemos o retrato do intelectual contemporâneo. Tudo lhe é hostil: a sua solidão, a intrepidez de rasgar as convenções, os deuses que povoam o silêncio, os demónios que lhe segredam aos ouvidos e o manifesto nada. É um ilustre embusteiro. Ignoro como logra ficcionar a sua verticalidade sem se desfazer em lágrimas. Ele, e os seus confrades mais acanhados, os quais pararam a meio caminho, uma vez que não profetizaram qualquer gratificação no cume, fecundam com esporra importada, isto é, citações, o percurso dos néscios. Ei-los, papagaios armados ao pingarelho, investigadores da superfície e agricultores sem mão, amantes de vertigens desérticas, destituídas de frutos, angariadores de cus ambiciosos, entretidos a transplantar a sua mediocridade para o plano universal.
Se o pensamento se assoma à ponta da língua, fazem marcha-atrás e arrumam o discurso na trivialidade. Escravo da visão literal, o intelectual fica cercado pelo seu próprio ego. Epígonos estéreis do primeiro papagaio virtuoso. Depois de tais palavras sobre o intelectual e seus filhos, uns e outros tão maravilhosamente amontoados na pilha dos inúteis, creio termos adquirido o direito à banalidade sem nos sentirmos culpados.
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