Roberto Gamito
26.03.21
O terramoto a horas certas. O declive sumário onde se morre sem gorduras, sem palavras a mais. A trajectória excêntrica do cursor pelas redes sociais desaponta o miolo, que se reforma.
A paisagem desfigura-se: o pintor não tem ilusões sobre isso.
Já não há possibilidade de fitarmos o mundo com essa visão pura, por assim dizer, original. Resta-nos surripiar as legendas de quadros pretéritos e com eles fabricar a nossa enfadonha biografia.
E no entanto, o momento em que franzimos a testa vale bem a pena: voltamos a ver, como das outras vezes, que nos falta algo.
Que caminhos temos de calcorrear a fim de criar e experienciar outros estados de visão? Abeiramo-nos do mundo, sem saber o que dizer e encetamos a visão pelo toque, pelo cheiro e de seguida o costume. Repentinamente, a paisagem, outrora mansa, esmaga-nos. Não temos nenhuma intervenção sobre o que nos agrilhoa.
O que eu peço ao leitor é que tenha em conta a singularidade da proposta: um gesto sem nome nem propósito, uma mão de mestre anónimo escapando-se dessa turbamulta de mãos que se acotovelam pela luz mínima dos holofotes da fama. A minha fruição não se esgota com o fracasso nem com a vitória. Um gesto que simultaneamente cria e destrói para deixar tudo na mesma. Números nada mais do que números, dirão uns ou outros. Mas regressemos à pose.
Naturalmente, muitos nomes deliciavam-me. Segundo o meu modesto parecer, o maior legado deixado pelos romanos. Primeiro e talvez fiquemos por aqui no tocante à enumeração, o jovem monge, num assomo de Meursault, puxa fogo ao mosteiro. Nos arredores desse mosteiro belo, magnificado pelo fogo, (à beira da ruína tudo se torna mais belo) o jovem Buda principia a imolação em pose de lótus. Os monges do mosteiro entregue ao guloso incêndio fugiam como animais com as mãos na face, sem gritar, dado que não queriam quebrar o voto de silêncio. Pequenos quadros ambulantes, procissão absurda, caso haja vontade de etiquetar a cena.
Nada me poderá dar maior felicidade do que a ideia de vos fazer pensar, e se possível, num cenário propício à meditação: não um mosteiro, mas numa sanita. E se possível com o cu a arder.