Roberto Gamito
19.12.20
Frequentemente, dado que somos exímios a desperdiçar tempo, iniciamos já suados a concretização de uma tarefa que há muito devia estar feita — uma crónica, por exemplo —, e encetamos a alucinação xamânica durante a qual nos deixamos possuir, à vez e sem rebuço, por um cardápio avantajado de demónios. Somos ingénuos a ponto de acreditarmos que o bombardeamento de estímulos nos conduzirá até aos altos cumes da inspiração.
À beira do desastre, que é como quem diz, o melhor já passou, orlamos o precipício e suas redondezas em passo de vadio à cata de tetas susceptíveis de nos nutrirem, sejam elas oriundas do mundo real ou do mundo virtual. Tempos houve em que esta questiúncula decisiva nem sequer existia. O mundo virtual, antes ínfimo e risível, estava longe de ser um rival à altura do mundo palpável. Entrementes, o século que nos saiu na rifa deu um coice, catapultando-nos para formas inéditas de nos relacionarmos connosco e com os outros. Não vos minto se postular que o tempo dedicado ao mundo virtual cresce espantosamente e o mundo real é cada vez mais um mundo de recurso, ao qual recorremos para coisas monótonas, pouco dignas de figurar no panteão das redes virtuais, a saber: carregar os telemóveis e viver a vida sem a pirotecnia da artificialidade.
O mundo real, sem adornos, não gera engajamento.
Eis o quadro pintado até então: o mundo real de joelhos diante da ficção.
Será isto a consequência de um ego que procura avidamente nas redes sociais aquilo que o mundo real lhe nega? A melhor imagem de si mesmo. Ou é algo mais primitivo? Será que o Homem sente ter esgotado as histórias do mundo real e hoje procura noutras paragens, qual navegador da nova escola, género pirata de sofá, uma história que o faça sair de si mesmo?
Ficaram apenas as cinzas de velhas pontes. Quão loucos teríamos de ser para principiar um puzzle com as sobras do velho mundo?
O mundo real é cruel, amesquinha-nos e apouca-nos sem parança. Não se acanha aquando do inventário das limitações e defeitos. Este pormo-nos de joelhos, esta rebelião escoada pelos dias, sem quebramos a nossa pose de mimo, da qual não sairão herdeiros, não dá sequer para o primeiro verso de uma elegia. Será que não conseguimos melhor que isto?
Como nota elucidativa dos nossos propósitos para esta crónica apraz-me dizer que, infelizmente, a última pergunta ficará sem resposta.
Um qualquer olhar estrangeiro capaz de resgatar o coração da sua vida em suspenso, como que uma instrução que devolvesse a vida e suas maravilhas à carne corrompida pelos dias ficcionais. Eis possivelmente uma escapatória.