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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

30.12.20

Dezembro é o mês das listas. Em boa verdade, careço de paciência para enumerar coisas, sejam elas de que teor forem. Quando muito, canalizarei a réstia de energia que habita este corpo molengão para vos partilhar algumas curiosidades.

O verdadeiro nome de Platão era Arístocles. Platão, em grego, quer dizer algo como “costas largas”. No fundo, prestamos homenagem à sua alcunha. Platão é, de facto, um costas largas no tocante ao pensamento ocidental. No meu humilde parecer, o lado vantajoso em ler um livro—e por vezes basta um fragmento, uma frase—é pôr-nos a imaginação a fervilhar. O vulcão outrora adormecido entra, mais uma vez, em actividade. E seja o que Deus quiser.

A biblioteca é o que de mais parecido há com uma utopia concretizada. Suicidas, homens, mulheres, gays, lésbicas, pobres e ricos, reis e marginais convivem pacificamente nas prateleiras. Eis a bela cidade dos ácaros onde o pó prospera.

A mania das listas, da qual somos herdeiros, terá começado provavelmente na Biblioteca de Alexandria quando, diante daquela imensidão de papiros e pergaminhos, o Homem se deu conta que nunca poderia ler tudo o que há. Um dos primeiros grandes sonhos da humanidade ruiu nesse dia. Nenhum Homem, por mais dedicado que fosse, poderia saber tudo. Quais eram os livros imprescindíveis de cada género? Quais são os poetas essenciais?
Os gregos tentaram salvar três tragediógrafos: Sófocles, Ésquilo e Eurípedes.
De Sófocles, de que há registos de ter escrito 120 tragédias, chegaram-nos 7. Não conseguimos salvar tudo. Fazer listas é jogar a mão aos sobreviventes do naufrágio. Não podemos salvar toda a gente.

 

Dezembro, o Mês das Listas, Roberto Gamito

 

 

 

 


Roberto Gamito

24.12.20

É desculpável e até certo ponto agradável não nos dirigirmos ao Natal e a todos os rituais circunjacentes no tom habitualmente laudatório reservado para esta quadra festiva. Há um cansaço patente a exsudar de todos os olhares. E inegável que, embora não vencidos, fomos ao tapete mil e uma vezes durante a pandemia, há um amargo de boca em admiti-lo, mas fomos derrotados de todas as formas possíveis. E no entanto, levantámo-nos.
O vencedor baixou a crista, a empáfia tonitruante recolheu à sua caverna e ficou o leque de franzinos, cada qual a chorar na sua língua. Só um louco pode levantar a voz ao falar deste ano.

Não obstante permanecer viva, a esperança confidencia-nos que não se quer comprometer com o ano 2021. Contentemo-nos a saborear o que nos coube em sorte. O que fica é esse longo monólogo interior, repleto de queixumes, sonhos adiados devorados por vagas famintas de elipses. Há um silêncio tenso, ninguém sabe muito bem o que dizer, o que sonhar, o que lamentar. As perdas actuais e as vindouras são tantas que somos carpideiras incapazes de dar vazão a tanto cadáver pela via do grito e da lágrima.

Há um querer dizer obstruído por um nó existencial nos arredores do qual o medo e o cansaço coabitam na mesma catedral abandonada. Rezamos a vultos dos quais nada sabemos. A este propósito, talvez não seja despiciendo lembrar que, à nossa volta, engendrando todo o tipo de coreografias de sedução e ciladas, aproximam-se novas formas de nos domar, vergar, vigiar.
Que Homem vai sair disto tudo ninguém sabe.

Isto é o máximo, não consigo mais, algo que pensámos durante o ano de 2020. Diante da folha, seja física ou virtual, muitas vezes verbalizei para ninguém: Não consigo tirar de mim coisa nenhuma. O Homem foi espremido pela pandemia. O artista doutros tempos agigantar-se-ia diante deste cenário, ao passo que o actual se encolhe e se fecha em desculpas para não criar.
O mundo actual esmaga-nos sem parança.

Há vários tipos de gaiola que enformam o nosso dizer, o nosso gesto, ingresse ele no mundo dito maquinal ou no mundo da arte.
Uma mão dentro de uma infinidade de gaiolas. Ignoro o meu pensamento, ignoro o que escrevo
vectores colidem
perdem os sentidos
rã piruetando no tanque.

Socorro-me dos estilhaços para montar um mundo frágil, movediço, pouco confiável. Como seguir, num tempo como este, o conselho escrito pela poeta Luiza Neto Jorge: apontar o poema ao coração do Homem. Estamos demasiado debilitados para sobreviver ao que o poema poderia dizer de nós.

 

Natal possível, Roberto Gamito

 

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