Roberto Gamito
12.12.20
O padre é, sem sombra de dúvidas, a melhor profissão do mundo. Ao contrário de um trabalho dito normal, no qual nos pedem para vergar a mola, é preciso levar a cabo uma coisa mesmo marada para se ser despedido. Na conjectura actual, temos emprego hoje e amanhã estamos na rua. A vida eclesiástica, por outro lado, parece-me prometedora para quem quer ter um emprego para toda a vida, coisa raríssima nos dias que correm. Não entendo por que razão os pais, os quais dão tanto valor à estabilidade emocional e económica dos filhos, não os aconselham mais nesse sentido.
Outra: nunca vêem o patrão — e o que isso implica, a saber: discussões, reuniões e discursos intermináveis sobre coisa nenhuma —, e, crescidos como são, excelsos leitores de linhas bonitas, não ignoram a alegria que é laborar nessas condições. Amiúde o patrão surge como uma figura geradora de atrito e gravidade. Espanta-me como é que nunca apanhei um padre a levitar.
O comum dos mortais, nos quais me incluo a contragosto, experiencia o que é ser padre, no máximo, uma vez por semana. Mesmo que quiséssemos, nunca conseguiríamos mentir sobre quão bela é a experiência de labutar na ausência de chefia. É como se nos fosse dada uma carta de alforria provisória. Andamos soltinhos pelos corredores como se fôssemos artistas de uma companhia de bailado. Até dá gosto ver.
O padre vive essa experiência continuamente. Trabalhar, na óptica do padre, é uma experiência enriquecedora e serena. Assim é fácil fazer a apologia do sofrimento quando se tem um trabalho que é um luxo.
Se Deus é Senhor, o padre é uma espécie de mordomo que nunca necessita de se preocupar com os caprichos do patrão. Faz festas — ainda que de duvidosa qualidade, sejamos sérios, a igreja, casa de Deus, podia ser usada para banquetes e festividades mais emocionantes —, e, para não parecer tão mal, fala do patrão garantindo aos convivas que Deus é sinónimo de amor. De vez em quando, pega na Bíblia, um género de calhamaço cheio de recados, e lê uma passagem ao calhas. É um ritual respeitável de molde a não se sentir tão culpado pela vida que granjeou.
Além disso, como se estas vantagens não fossem já numerosas e aliciantes, bebe vinho e come durante o trabalho. Quem, à excepção de um barman, se pode gabar do mesmo?
E aí reside a falsidade. O padre faz a apologia de uma vida regrada quando, diante do rebanho, leva uma vida de luxo.