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Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.

Fino Recorte

Havia uma frase catita mas que, por razões de força maior, não pôde comparecer. Faz de conta que isto é um blog de comédia.


Roberto Gamito

27.02.22


Roberto Gamito

17.12.21

Invejo o talento do mimo. Falar é fácil — difícil é permanecer calado. Sou, em parte, humorista, ou seja, um ser primitivo a debater-se com o mundo. Mas aprofundemos o assunto, o tempo não está para patacoadas e meias-palavras: não temos noção daquilo que se passa dentro de nós quando submetidos a uma piada.

Metaforicamente falando, a piada é, quer para o humorista, quer para o público, um desatar momentâneo de um nó, daí a comunhão bizarra entre a massa e o singular. A verdade é que houve um animal que pôs as mãos em sangue de molde a aprender todos os escaninhos do nó para que, chegada a altura, o desatasse como que magicamente.
A arte enquanto ofício de desatar nós, nós esses que regressam a si mal o Homem o perde de vista. Os nós de sempre, a saber: amor, vida, morte, Deus permanecem aí, intactos, embora mil vezes desfeitos.

Entre duas piadas autobiográficas, o silêncio. O que significa esse silêncio além de um espaço aberto que permite a piada respirar e espreguiçar-se na mente do público? Mais ou menos isto: poderia ter dito muito mais sobre mim…mas contive-me…ou: por ora, não sei pronunciá-lo numa língua humana…tenho de sufocar todas estas coisas em mim. O silêncio entre duas piadas autobiográficas é o sufoco do que ficou de fora.

Humorista e não-humorista têm um ponto em comum: estão ambos impotentes face ao absurdo que nos apequena, distorce, nos esmaga. O absurdo sem nome que remodela a nossa mente em labirinto.

Há uma elite postiça que frequenta o espaço onde o humor baila com as nossas inseguranças no sentido de aperfeiçoar a sensibilidade dos primitivos, quer dizer, os que não sabem saborear as piadas devidamente, os fiscais cuja tarefa é fazer a destrinça entre a piada e a não-piada, todavia, falham redondamente. Na melhor das hipóteses, alcançam a magra certeza da sua superioridade, quer dizer, aumentam o raio de acção do seu umbigo.

Eis que entra o medo e de seguida a imitação. Queres imitar os gigantes eternamente? Ajoelhas-te diante dos fiscais da mediocridade, o círculo que se legitima através de um ritual contínuo de palmadinhas nas costas? Será isso escrever com seriedade? Escreves com timidez, camarada, como se cada sílaba te saísse do bolso. És rico e tens medo de o revelar ao mundo.

A prosa assustadiça de quem tem medo de dançar num terreno minado causa-se náuseas. O cheiro insuportável a bafio sente-se a léguas e não me deixa indiferente. A maioria ajoelha-se e pede misericórdia diante da nova dinastia de papagaios. Permaneço de pé, só assim posso merecer o título de Homem. As minhas tradições são outras, os medos inomináveis, e o rei ao qual devo prestar vassalagem sairá do ventre das minhas mãos.

Deixem de ter medo da vossa cabeça, abram-na com o machado da imaginação ou arrombem-na com o pé-de-cabra amanhã-pode-ser-tarde-demais e consintam que a vossa flora e fauna interior povoe sem regras o vosso deserto. Sejam fundadores ousados de um novo mundo, não se ajoelhem perante falsos ídolos. A arte é a marreta ideal para pulverizar miragens.

Mais humildemente, estou acima do que crio, em baixo, na folha, a criação cercada de emendas — fúria posta em múltiplos riscos. O branco, velozmente povoado de sílabas guerreiras, as quais batalham contra as sílabas enfadonhas, é palco da minha Ilíada íntima. Há Aquiles para todos os gostos, alguns dos quais detentores de calcanhares gigantescos.

Os génios passam por nós como neutrinos — nem damos por eles. Inclinados a avaliar o valor do artista com base no raio do umbigo, o crítico é incapaz de pressentir a fecundidade da obra. É incapaz de profetizar a prole que brotará da obra — eis algo que realmente me intriga e atrai: o cego a doutrinar a visão dos demais.

 

Silêncio entre duas piadas

 


Roberto Gamito

07.12.21

Nasce a piada. Num ápice, surge o discurso sobre o humor que gera por sua vez um discurso sobre o discurso e por aí vai. Assistimos de mãos e pés atados — embora possamos contribuir à nossa maneira em cada uma dessa novas vagas de interpretação — à tradução por parte de intérpretes míopes — não há outros.
Supondo que o humor sobrevive no discurso apesar de se afastar do centro, isto é, da piada que lhe deu origem, pese embora mais raquítico, temos um desporto elevado à potência n.

Encarcerada no centro, a piada revela a sua natureza primeva, o seu pendor para a queda, e aproxima-se da figura do Diabo no nono círculo de Dante. Humoristas de primeiro círculo, de segundo círculo,... humorista do nono círculo. Do centro para a periferia, os intérpretes de natureza assustadiça, não vá a piada rachar-lhes o mundo em dois, diluem a eventual maldade que a piada possa transportar. É um desperdício lúdico que pode ganhar contornos competitivos. Enceta-se o concurso: “Achas que sabes desmantelar a piada?” Surgem homens de todos os quadrantes da estupidez para a desmembrar. Regozijam-se nesse ritual como pequenitas hienas. Todavia não riem.

Com a lente errada, a piada surge apinhada de erros. A lente certa dar-nos-ia o seu propósito, porém isso não gera gritos e avalanches — tão ao gosto do Homem contemporâneo. O processo torna-se muitas vezes circular e respostas à piada metamorfoseiam-se, num ápice, em novas perguntas. Eis-nos chegados ao âmago da natureza humana: persistimos náufragos, não há nada de sólido neste oceano imenso que é a vida.

Uma das críticas mais frequentes em relação à piada danosa é esta ser mais do mesmo. A dinâmica é simples: ataca-se o lugar-comum com mais lugares-comuns. Amputa-se a sua estatura com rótulos mesquinhos. A estranheza não é bem-vinda, venha ela de onde vier, seja da piada, seja da interpretação. Mais uma vez o medo que a piada suscita no Narciso. Urge encasular a estranheza num sudário de miragens, não vá o reflexo benfazejo esfumar-se.

O intérprete pitosga esqueceu-se da natureza do bobo: profundamente subversiva. Se à primeira vista parece um lugar-comum, é porque tal foi o desejo do laracheador. O derradeiro propósito do humorista? Introduzir, camuflada, a novidade no armazém dos lugares-comuns e imolá-la com uma fagulha de surpresa. De supetão, incendiar a arquitectura das vossas certezas…
Mas até o incêndio pode ser interpretado, diluído, enjaulado num porquê — eis o jogo infinito.

A Piada é o Diabo, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

19.11.21

Joel Ricardo Santos

Novo episódio de Tertúlia de Mentirosos.
 
Joel Ricardo Santos. Humorista.
 
Deambulámos por uma enormidade de temas, a saber:
Cantor pimba na Suíça, o porquê de Joel Ricardo Santos, a tensão diluída na comédia actual, Joca e o expulsar do palavrão do texto, fazer piadas com terras portuguesas, diferenças entre comediantes de Lisboa e do Norte, “estar associado a”, o jogo perverso do networking, lotaria das percepções, tour Temos de Marcar um café, primeiro espectáculo durante a pandemia, bar de merda, o papel da Vertigem, stand-up em casamentos, selvagens no público e jogo de sensibilidades, ser bom e parecer bom, o humorista e o trabalho, conteúdos para a internet, novo projecto para o YouTube, grupo e choque de visões, actuar em festivais...
 
(Partilhem, sigam o Tertúlia de Mentirosos no Spotify e dêem 5 estrelinhas no itunes)
 
Podem ouvir o episódio aqui ou noutra plataforma de podcast.
 


Roberto Gamito

10.09.21

Com a presente crónica, texto de carácter eminentemente pirotécnico, de alegrar adultos e escorraçar crianças, pretende-se, não sem modéstia, antes de mais, contribuir de forma decisiva para o marasmo vigente. Esta vidinha de missinha do meia dia, este clima de bosquejos de ressurreições e atmosfera de democracia a carvão e, sentemo-nos de molde a ganhar fôlego, tê-los no sítio — numa prateleira, qual texugo empalhado.

Uns esperam por D. Sebastião, campeão olímpico de escondidas, tão bom que não compareceu na cerimónia de entrega de medalhas — assim se vê quem leva a sério o seu ofício; outros, uma bela foda. Cada um com as suas esperanças, como palraria Américo Fortuna, burlão, empreendedor e amigalhaço do Diabo, se ainda estivesse morto. Seja como for, há quem afiance que já viu a cabecinha do salvador a assomar-se, rasgando em dois, qual Moisés cabeçudo, o nevoeiro.

L. ingressou no mundo desencantado dos hipsters após uma semana a sonhar a preto e branco. Epifanias com hálito a monotonia — cabrões, não têm sorte nenhuma na vida.

No pináculo de uma cadela monumental, o padre, António Cruz de seu nome, pastor ébrio para os amigos, confidenciou aos autóctones da taberna que, em alturas de crise, o sangue de Cristo era vinho de pacote.

Não tenciono insuflar a verga de sangue literário, porém o poeta, melhor dizendo o macho cantante, após a foda desastrosa, bacorejou: “creio que sou possuidor de uma verga beckettiana”. Sigo regiamente o mandamento: “falhar, falhar de novo, falhar melhor”. A cona, que havia feito a universidade de letras ou coisa que o valha, sorriu e desculpou a ineficácia do homem nas artes circenses.

Finda a temporada de actriz pornográfica, virou o cu para a lua, a qual prontamente a encavou com a sorte, e encetou uma nova vida de escritora de velhacarias. Cito de memória as suas palavras: “escrevo sobre pichas grandes, um género maior”. Aglutina, ao mesmo tempo, desejo e ficção.

Certo dia amei uma mulher — vejam lá ao tempo que isso foi, eu que carambolo qual bola despojada de livre-arbítrio entre a poesia e as pernas escancaradas mais à mão — e disse-lhe, sacando de uma prosa ensaiada de véspera: “É para foder ou é para conduzir burocraticamente a conversa nas calminhas até às raias do tédio?”
Respondeu-me no idioma do enfado e a picha murchou como uma rosa reformada. Os chapadões e os insultos vieram depois. E a mais não aspiro, que sempre fui humilde.

Nesse tempo, a minha vida era fazer tempo até ao jantar, com breves pausas para coçar os tomates, a fim de despertar a coragem que, reza a lenda, se acoita em tão misteriosos feijões, mas não tão misteriosos que nos levem ao reino do gigante.

Sara, a qual se fazia difícil, consentia que eu fosse lá escarafunchar às sextas-feiras e aos domingos. E lá tinha eu de me esfalfar no trabalho, chupar pichas em todos os departamentos, desde colegas a chefes, passando por desconhecidos (não queria ser malvisto) com o fito de me trocarem as folgas. Não recomendo a inexperientes. A mim não me custou por aí além: só sou vertical fora do horário de trabalho, é aí que guardo dois ou três quartos de hora para mudar o mundo — e tanta é a diferença que faz.

É incrível como poetas e filósofos, gente que faz as vezes dos comprimidos que visam combater as insónias, nunca se tenham debruçado sobre o seguinte: as conversas outrora desérticas frutificam à volta de um par de mamas — que volta e meia não vale grande chavelho. O homem transcende-se ao rés de um par de mamas.

O mundo, a desgraça do costume. Os políticos estão ao corrente da situação e prometeram não mexer uma palha. Até ver estão a cumprir.

Anúncio de emprego. Procura-se poeta com mais de um olho, preferencialmente três, já que estamos fartos de ver o que os outros vêem. Precisamos de uma visão inédita. Não entrem em contacto connosco se não tiverem atingido pelo menos 3 vezes o nirvana nos últimos seis meses. Ordenado um nadinha acima do limiar da pobreza, dado que o dinheiro não importa aos iluminados.

Chegou-me aos ouvidos que há uma foto onde deus amamenta uma hiena. Não sei como me pronunciar sobre isto. Aliás, sugeriram-me o silêncio, como sempre acontece nas democracias adultas — essa universidade de mimos que põe no mercado de trabalho pedreiros versados na construção de paredes invisíveis.

No sarau de poesia, digo poemas de Herberto Helder, mas a pensar no jantar.

O homem é como a psoríase. Dá-se-lhes a mão e eles querem logo o braço.

Não gosto de me masturbar ao som das músicas da moda. É tudo muito plástico, assaz passageiro. Prefiro masturbar-me com música clássica e cultivar o meu pau.

E por fim, os meus colhões, disfarçados de carapaus de corrida, partiram à aventura pelos mares jamais vindimados de Homero em busca de terras onde a coragem possa ser posta em prática.

Cabrões sem sorte, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

05.07.21

Kant designa o gracejo — a piada — como luxo das cabeças.   

Na piada, como refere Byung-Chul Han, a linguagem entrega-se ao jogo. Ao privarmos a comédia desse lado lúdico, afunilamo-la, aproximamo-la de uma linguagem informativa. Tornamo-la utilitária. Aos poucos fomo-nos esquecendo que a piada é uma arena onde a linguagem busca o sem sentido, o absurdo, o qual se acoita sob o verniz das miragens incumbidas de nos embriagar.    

Ao tornar-se informativa, como escreveu Byung-Chul Han, a piada trabalha em vez de jogar. Em suma, vergou-se. Uma arte de joelhos não é arte.  

A par da poesia, o humor é uma insurreição contra o mundo e no limite contra ele próprio. 

É um desempoeirar de palavras, um promover de novos encontros, um devolvê-las à rua da embriaguez para que possam circular sem os ditames da produção. No limite, a piada aspira à não utilidade. No limite, a piada não responde a nenhum senhor, não é escrava de ninguém.  

A piada é (ou era) uma espécie de ritual de esmagamento do ego. A possibilidade de sermos mais estúpidos do que somos. Eis uma aberração para a sociedade narcotizada pelo ego.    

Como isso seria um desperdício em termos de produção e como o narcisismo colectivo não vê com bons olhos tal manifestação de inutilidade, a piada selvagem, distante da informação, encontra-se à beira da extinção. Ao aproximar-se da informação, a piada chega aos ouvidos do público já cansada. A informação segue uma lógica aditiva. E…e…e…   

Piadas perecíveis, que apodrecem de um dia para o outro. Eis o que temos presentemente.

O ‘ou’ está fora da equação, tal podia constituir um retrocesso, o maior pecado numa era de produção vertiginosa.   

Na prática, a piada actual começa a morrer no momento em que é proferida, carece da vitalidade de um gracejo arisco, o qual, segundo me contaram, vem ao mundo graças ao jogo e, em calhando, há-de colonizar os discursos de quem a escutou.

Mais que a comédia ou o humor, a poesia eleva esse jogo da linguagem ao limite. Deixou de ser lida. Num mundo cego pelo sentido imediato ela não tem lugar. Segue-se a comédia.

A piada é o luxo das cabeças, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

28.06.21

O jogo do Euro 2020 que opôs Portugal e Bélgica relatado segundo o parecer de um taberneiro.

(Segundo a ordem do jogo)

 

O curling consegue ser mil vezes mais emocionante que o jogo de Portugal.

Se eu soubesse que o jogo ia ter este ritmo, tinha convidado o Sá Pinto para vir cá a casa. Levava no focinho, mas ao menos não adormecia.

O ataque de Portugal é como o bêbedo que regressa a casa: pára em todas as tascas.

Espero que não me cancelem, mas o Palhinha tem cara de contabilista.

Grito do capitão.
O jogo de Portugal não dá tesão e Ronaldo acabou de fingir o orgasmo.

Futebol espectáculo.
Finalmente percebo os franceses aquando da invenção da guilhotina. Isso sim era um espectáculo.

Comentador: Cristiano rima com golo.
Camões: Mas quem é este caralho?

Cristiano Ronaldo é como aqueles putos que descobriram os botões das fintas: até se esquece que precisa de marcar golos.

Portugal é um virgem na zona de concretização: só faz é merda.

Isto é espetar dois lá dentro para os belgas se sentirem em casa. Eles adoram batatas.

Hazard do caralho!

Se Rui Patrício não tivesse cortado as unhas, tinha apanhado a bola.

Os remates de Palhinha são de outro mundo. De Marte, que é para onde vai a bola.

A Bélgica se pudesse pegava na bola e ia para casa.

Na cabeça dos jogadores portugueses, é uma baliza de hóquei.

Bélgica, país das batatas fritas, do chocolate e do engonhanço.

Fernando Santos sentou-se no banco da Bélgica, não foi? É tão bom treinador que está a treinar duas selecções ao mesmo tempo. É o "não jogar um caralho" a fazer escola.

Portugal não consegue sair para o ataque? Mas quê? Precisa de pedir autorização ao encarregado de educação. Estou fodido com estes putos.

Pepe é activista vegan — está sempre a molhar a sopa.

Bom jogo de preparação. Mais dois destes e estamos prontos para o euro.

Enquanto o golo não chega, masturbamo-nos com o domínio de bola de Cristiano Ronaldo.

Depois do jogo preciso de ir a um funeral para ver se me alegro.

Os belgas são fortes no jogo aéreo, no chão, a relva atrapalha. Nem que joguem com a cabeça da picha, mas marquem.

Perdemos o festival europeu da monotonia.

BélgicaxPortugal, segundo o taberneiro

 


Roberto Gamito

24.06.21

O jogo do Euro 2020 que opôs Portugal e França relatado segundo o parecer de um taberneiro.

(Segundo a ordem do jogo)

 

Daqui a uns anos, quando já não houver dinheiro físico, o árbitro, em vez de atirar a moeda ao ar, olhará para as subidas e descidas da Bitcoin.

Isto era giro era ver um jogo entre o campeão europeu e o campeão do mundo. 

Fernando Santos está sempre com aquela cara de quem perdeu três filhos na guerra.

Levou pau, mas o árbitro mandou seguir. Momento patrocinado pelo Grindr.

O jogo está tão parado que daqui a pouco temos um foco de dengue.

Renato Sanches trabalha no mercado financeiro. Ora ganha, ora perde...bolas!

Há 15 anos que o Moutinho anda a ensaiar estes remates de fora da área.

Golo da França.
Guarda-redes para um lado, vitória de Portugal para outro.

O Palhinha não pode estar ao pé do William. O William, que é uma tartaruga, pode sufocar.

Segundo golo dos franceses.
Portugal com o golo da França transformou-se numa baleia. Morremos na praia.

Última hora.
A selecção portuguesa está a recrutar treinador. Podem enviar currículo para FernandoSantosÉoCaralho@gmail.com.

Sofrimento e morrer na praia. Não percebo como é que o jogo de Portugal não está a passar na cmtv.

2-2.
Por mim, Cristiano Ronaldo ficava logo na marca de grande penalidade para marcar o terceiro.

O futebol são 11 contra 11 e no fim empata a Alemanha.

Aquando da substituição de Renato Sanches.
A saída de Renato de Sanches foi patrocinada pelos ctt.

Portugal-França segundo o taberneiro

 

 

 


Roberto Gamito

21.05.21

Adúltero.
Um homem que, apesar do casamento, não desistiu de encontrar a felicidade.

A vizinha é semelhante à actriz. Mete-se artisticamente na vida das outras pessoas.

Admitir os erros, os nossos, é muito nobre — professam alguns.
Não pretendo contestar tão magno raciocínio, porém, para mim, não me serve. Não faria mais nada a vida toda.

Homem crente. Definição.
Alguém com poucos conhecimentos de acústica. No entender dele, a divindade escutará melhor as suas preces se estiver de joelhos.

Sou a ideia de um gato. Subi à minha árvore genealógica e agora não consigo descer.

Redes sociais.
Uma mescla de recreio e tortura com ênfase para o primeiro.

Zebedeu, modelo, descobriu que gostava de ser o centro das desatenções.

Podemos antagonizar os canibais, todavia não podemos criticar um aspecto: a sua relação calorosa com os forasteiros. Enfim, fazem falta mais canibais na política internacional.

A influencer criou conta no twitter. Segundo fontes próximas, tinha um desejo irreprimível de passar por besta. Alcançou o seu objectivo nos primeiros minutos, uma verdadeira inspiração.

Casa.
Estrutura que nos protege mediocremente contra os perigos do mundo. 

Furacão.
Quando a natureza, inspirada em estórias de catraios, se arma em lobo mau.

Ironia das ironias: seres não-binários num mundo cada vez mais binário, o virtual.

O humor é a sala de convívio partilhada pela poesia e pelo lugar-comum.

O cavaleiro mais rico do mundo tem, provavelmente, o maior guarda-roupa de sempre. Convenhamos, as armaduras ocupam muito espaço.

Desprovido de sonhos: eis o nosso homem. Vê em cada precipício uma oportunidade de desfecho. O que, de algum modo, o reconforta. Esta não é para rir, é para fazer pensar.

Velho.
Ser encarquilhado, semelhante a um fruto seco, vulgarmente sentado, devotado a expressar a sua opinião. O guardião da liberdade de expressão.

"E o caralho" é o etc. de pessoas vividas. 

Sexo.
Ritual mágico segundo o qual a mentira dá frutos.

Comediante anónimo.
Criatura de importância reduzida que só pode ser encontrada em três situações: 1) a escrever piadas, 2) a pensar no suicídio, 3) a fazer coisas estúpidas na internet, a saber: escrever piadas ao vivo na twitch.

O passado é odiado por muitos, mas adorado por melancólicos e fotografias.

Relação saudável é o compromisso no qual tanto o homem como a mulher falam abertamente do fim. Seja o fim de que natureza for. Os nutricionistas alegam tratar-se de uma ficção.

Se me vejo capaz de garatujar uma bela piada sobre inércia? Sim, vejo-me, porém não me ia levar muito longe.

Erecção. Um filme.
O Regresso do Rei.

A vantagem de ter um amante contorcionista é que, se escutares o teu marido a chegar a casa, podes pô-lo na cona.

Com o aumento das rendas na habitação prevejo que por volta de 2060 os portugueses serão contorcionistas a dividir despesas no porta-luvas de um Ford Fiesta.

Ficcionista.
Em princípio, qualquer homem capaz de engendrar cenários hipotéticos quando perto de uma mulher. De modo mais maneirinho, o ficcionista é um artista de braguilha nervosa. 

Tarólogo.
Tipo que, ao contrário do treinador de bancada, decidiu começar a cobrar pelos seus palpites.

Jornalista.
Sujeito a quem cabe averiguar se a galinha da vizinha é realmente melhor que a minha.

Árvore genealógica.
A única árvore cuja fruta está perpetuamente condenada.

O telemóvel é um instrumento de tortura com o qual matamos o tempo. Segundo sei, algoz e vítima fundem-se no mesmo pacóvio sorridente.

A vida é como esta frase — não tem piada.

Humor contemporâneo. Volta e meia fico corado ao pronunciar esta expressão. Os motivos, esses, são mais que muitos, e todos eles vexatórios. Optei por abdicar da graça, o humor ofende.

O consumidor de muletas linguísticas é, basicamente, tipo, imaginem, uma espécie de gago sofisticado. Mas ya.

O palhaço mudou de ramo, é hoje empreendedor. Ironicamente, o negócio das flores de plástico floresceu.

Felicidade.
Demência temporária rapidamente curada com uma ida ao twitter.

Não fosse o palhaço e hoje não estaria aqui. O riso salva, comunicou-me uma ninfomaníaca.

Se o pénis é o palhaço, abre as pernas: eu preciso de ensaiar. 

Ano.
Período em que é provável encontrares-me triste. Fora isso, a minha vida é uma folia contagiante.

Fui para o desemprego e hoje estou separado do meu pénis.
O meu palhaço arranjou trabalho no circo. Aproveitei para vender os colhões e hoje sou humorista activista. 

Ansiedade é uma doença provocada quando és exposto ao teu próprio fracasso. Calma, falhado, a vida são dois dias. 

Ano.
Ardil criado por um tipo que pretendia escoar agendas.

Político.
Aquele que, tal como o larápio, faz conta com o nosso dinheiro.

Encontro amoroso.
Cerimónia que, em correndo bem, é o preâmbulo de um bom entendimento. Sexo, para os mais distraídos. Problemas, para os mais maduros.

Humorista.
Homem familiarizado com o mito de Sísifo — o riso simboliza a saída do Inferno. 

Comediante.
Aquele que, um pouco como o funâmbulo, está constantemente entre o precipício e a glória.

A primeira coisa que penso ao acordar: "Há 36 anos neste trono de papalvo e ainda não há sucessor à vista".

Para ser rico, o comediante precisa de viajar para Itália. Talvez assim aprenda a trabalhar com as massas. 

Intelectual.
Um sujeito que se abstém de consumir jornais de baixo quilate, televisão e raramente navega na internet com o fito de perder tempo. Um primitivo, portanto.

Estou há tanto tempo sem fazer sexo que, em algumas partes do mundo, já sou visto como santo.

Notícia.
Naco de palavras que, independentemente da sua natureza, pode ser comentado com "isto é tudo uma cambada de ladrões".

Universidade.
Bordel onde os clientes são fodidos com a cabeça enterrada nos livros. 

Erudito.
Indivíduo expedito em encontrar a via mais enfadonha para explicar algo que na boca de outra pessoa seria entusiasmante.

Acéfalo.
Certamente grande parte das pessoas que conheces fazem parte deste clube. Afortunadamente, não é preciso pagar cotas para ser sócio.

Decote.
Engodo próprio para pescar besugo.

Botânico é um horticultor que olha com cara de parvo para as plantas.

Sinceridade.
Qualidade que deve ser praticada em silêncio ou num sítio de segurança máxima. Se puderem, evitem-na. Até hoje não há provas concludentes que a sinceridade traga benefícios a quem a pratica. Excepto aos postiços humoristas da genuinidade. 

Conforto.
Quando comparado com o metro, o cemitério é uma boa opção: só tem lugares deitados.

Tímido.
Tomate de estufa — amadurece repentinamente.

Tal como o puto mimado, o canibal é muito esquisito: só come um tipo de carne.

Flauta.
Na boca de uma criança, uma arma.

Dica: se só retiras prazer na comida, nunca vás ao médico.

O influencer retirou poder ao médico. Hoje é ele que nos diz o que devemos comer.

Alegria.
Estado de espírito originado pela contemplação do nosso extrato bancário. No decurso de um sonho.

Politicamente correcto.
Seita fundamentalista que tenciona fazer do mundo um sítio melhor — aliás como todos os radicais —, mais livre, silenciando quem a contradiz; por oposição ao humorista, que, além de sevandija, quer animar o mundo falando das coisas que destroem o mundo.

Indignação.
Sarrafusca amiúde sem contacto na qual a inócua bala foi substituída pelo nefasto impropério descabido.

Couve.
Serve de alimento a uma caterva de insectos e moluscos e, em última instância, em não havendo alternativa, a mim.

Inferno.
Local às vezes ilusório ou ideia durante a qual tens o privilégio de contemplar (nos piores momentos) o teu futuro, o qual te dá força e inspiração para continuar a destruir a tua vida.

Selva.
Sítio onde as presas não podem descansar um momento.

Concordar.
Sucumbir à opinião dos outros quando a nossa figura de parvo se torna indisfarçável.

Pai Natal no shopping.
A única altura do ano em que as pessoas fazem filas para ver um velho.

O historiador versado na guerra de Tróia deu conta que a História se repete quando recebeu o salário pela porta do cavalo. Interpretações posteriores lêem salário de outra forma. Uns vêem nele navalhada, outros, utopia.

Os liliputianos admiram a ideia de um pónei de Tróia.

Sem favores por receber, Arlindo não teve outro remédio senão vender o cu na candonga. Segundo as palavras do comprador, uma pechincha. Hoje podemos ver o cu de Arlindo em cima da telefonia de Ambrósio Antunes, reformado em Alfornelos.

Em virtude do aumento da oferta no tocante ao cus, Marisa Márcia teve o seu futuro hipotecado. Marisa é apenas um caso entre milhões de uma geração cujo cu não tem valor para o mercado de trabalho.

Devotada a pronunciar-se sobre tudo o que dá azo a indignações, Márcia deu expose a Jesus Cristo aquando da pergunta do padre: "Casa com este chavaleco?"

Inspirado em Boris Vian, Artur, homem devoto ao salpicão e caranguejo nos tempos livres, gastava as tardes a pronunciar-se sobre a espuma dos dias. Postumamente, as crónicas — à falta de termo adequado para designar o talento de Artur — foram reunidas num canhenho chamado as Crónicas do Epiléptico.

Erecção.
Comemoração através da qual o homem demonstra com uma sinceridade ímpar o seu apreço pela carne.

O fazedor de minetes morreu aos 37 anos. Segundo consta, a humidade esfrangalhou-lhe o sistema imunitário. No dia do enterro, as mulheres choraram e gemeram em sua honra.

Homem.
Talhante incompreendido. Tal como o canónico, sabe dar valor à carne.

Careço de saúde para tomar posições. O peso de tomar uma decisão dá-me cabo das costas.

De dia contorcionista, homem das mil posições, à tarde, simpatizante do Chega.

Gajo porreiro. Definição.
Aproximadamente, um tipo que partilha das nossas qualidades.

Ateu: Juro por aquele que nunca existiu.

Um desvio ao que seria suposto, por vezes a comédia é apenas isso, comunicou-me um encarregado de obras.

Qual é a diferença entre um comediante contemporâneo e um pisa-papéis? O pisa-papéis é toleravelmente inócuo enquanto o comediante é insuportavelmente inócuo.

Observando o mundo, percebemos que os grupos contrários se perseguem. Para quando uma perseguição sem tréguas aos feios por parte das boazonas? É uma questão puramente académica.

Mundo. Definição.
Background para selfies e quejandos.

Em correndo bem, seguidor é um stalker que nos engorda o ego. 

Razão.
Um engenhoso artifício criado pelo Homem a fim de nos dar a sensação de que percebemos minimamente o que nos rodeia.

A actriz pornográfica confidenciou-me que as influencers mostram demasiado a sua vida. Segundo ela, um degredo.

O vizinho suicidou-se. Segundo fontes sensivelmente seguras, pudemos apurar que, ao ver-se destronado pelo indignado do twitter, não aguentou. Ao pé deste, o vizinho parecia um amador na arte de meter o bedelho.

Indignação é uma arte praticada um pouco por todo o lado, salvo no coração de quem ama. Estas foram as últimas palavras do poeta, o qual morreu engasgado com um rouxinol atravessado na garganta.

Universidade.
Local onde o arrogante se torna mestre no seu ofício.

Se a vida é um filme de acção, o seguidor é uma espécie de duplo para as cenas difíceis.

Insulto.
Uma arte milenar praticada nos quatro cantos do mundo, com enfoque especial nas estradas. Há quem diga que, antes dos romanos, o insulto andava pelas ruas da amargura.

Bebedeira é a magia que rasga os biombos da educação com impropérios. É uma frase bonita. Se os activistas podem fazer comédia enfadonha, também tenho direito. 

Filme erótico.
Documentário onde se exibe a prática do afogamento paulatino do ganso.

O primeiro homem romântico.
O tipo que inventou os eufemismos de foder.

Depressivo maneta. Definição do abutre.
Um tipo com jeito para fazer de morto.

Por um lado não me sinto perdido, por outro, não vou a lado nenhum.

Grosso modo, continuo vivo, pensou o homem deprimido ao olhar para o nabo.

 

Cartas na Mesa, Roberto Gamito

 


Roberto Gamito

21.02.21

Larachas, abundantes noutras épocas, essa requintada comicidade que rapidamente resvala com gosto para a boçalidade, essas palavras que se encontram sem tino na frase a fim de apimentar uma vida monótona, momentos em que falsamente nos conjecturamos superiores face aos obstáculos do mundo, o qual continua a maravilhar-nos de longe em longe. Clandestinamente, forjei que tinha dado à luz uma piada capaz de ressuscitar moribundos de supetão. Acabo de te apanhar em descarada mentira, ó bandido, pensa o leitor.

Mas tratemos do assunto que nos trouxe cá. Quantas birras há aí motivadas pela carência de afagos e carícias de natureza mais íntima? Em todo o caso, a comédia e a tragédia acenam-nos continuamente, ao longe e à vez, como se nos conhecessem melhor que ninguém. E eis a piada, vinda sabe-se lá de que recanto da mente, proporcionada por um salsifré de pensamentos, palavras e pontas soltas, desagrilhoando-se do inconsciente e pedindo de empréstimo a nossa voz. Num ápice, o outrora sólido é liquefeito pela comédia. A magia caseira da subversão. Em termos de ganhos efectivos, refiro-me à piada beliscar a realidade, sabemos que vai um longo e sinuoso itinerário. Findo o efémero império do solavanco proporcionado pela piada, o mundo regressa ao que sempre foi. Por mais que gastemos energia a tentar perceber a fragilidade de uma piada, que, ao separar-se da surpresa, cambaleia num bailarico de falsos reacendimentos até à extinção, esta continuará arredia à ideia de imortalidade.

 

Laracha, Efémero, roberto gamito

 

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