Roberto Gamito
24.08.21
O modo como eu pensava distanciava-te de mim. Eu reflectia, tu ias para o twitter mandar graúdas postas de pescada.
Lembras-te de tudo o que levou à discórdia? Faço questão de to recordar: "o problema começa em terra idade". Segundo o teu parecer científico, estaria a atiçar canibais reformados.
Não gostas de piça, pelo menos não mostraste apreço pela minha. Suportavas a chuva de inéditos de aspirantes a escritores que te chegava às mãos, porém o que te arreliou foi uma mera pila humilde posta em retrato. Apesar das flores, das palavras bonitas rapinadas aos poetas ou aos manjericos, conversávamos como predador e presa. Éramos dois estranhos com uma montanha de dias partilhados.
Na vida, o que mais me ocupa, cogitava o escritor de pendor erótico, eram os problemas que não conseguia descortinar de pau em riste e que podem parecer disparatados: em que estilo escrever "enterrava-te educadamente o defunto". Confesso que o grande escriba de escrita fodilhona nunca hesita entre cona e pipi. Desafortunadamente, ainda não alcancei esse estado.
Eu vivia dentro de um fato de ponto de interrogação: vivia em plena dúvida. O meu fado era acabar todas as frases em tom de questão.
Nada me parecia suficientemente polpudo, fluído, ágil, alquímico; nada era suficientemente luminoso nem carnudo. Era tudo a mesma merda, o mesmo prato de uma cantina desleixada.
Não te menosprezes, homem. O tom da tua voz e os teus vocábulos de pacotilha humedecem-me a cona. Ignoro o que fazer com essa informação, ripostou o homem. Faz um poema. Ou, em faltando-te o jeito, contenta-te em estar calado.
O velhote pediu à mulher uns cobres para algo prosaico, a saber: uns contos para umas putas. No fim de contas, o velho ambicionava um episódio que lhe rasgasse, por uma vez que fosse, o marasmo em que a sua vida se havia tornado. E eis que a puta chega, de pernas destrancadas, como fada do lirismo caquético. Ela e ele revezavam-se num diálogo cansado. Seja como for, velho e puta não estavam na cama para arrecadar um Óscar. Estavam ali para desempoeirar o vetusto piçalho — e isso não é coisa de somenos.
Somos um compêndio de entradas, comentou a rameira, tal qual uma enciclopédia. Abra-me ao acaso e tente perceber-me.
Ausências, loucuras, acessos de ira. Estou farta desta vida, gritou a mulher de Deus. Atribuis tudo aos deveres da tua profissão. E eu? Quando é que vais ter tempo para mim? A merda do universo é mais importante para ti do que eu?
Que eu não me chame Cabrão, e tu não te chames Puta, ainda hoje me parece inverosímil. De seguida, comeram-se como num filme.
Vivemos como se a guilhotinha estivesse em vias de cair, impondo ao miolo sacrifícios até que rebenta. Já estou farto de pensar. Por vezes escapulíamo-nos pelas portas das traseiras da diversão e corríamos para empreender rituais báquicos no mato.
Percebi que o homem se havia metamorfoseado: era feliz, ficou poeta; era comunicativo, tornou-se gárgula; era sábio, passou a frequentar o twitter. Já não recebia carinhos ao pôr-do-sol, logo quando o coração está mais receptivo a apanhar vitamina.
O velho entra sem bago nos aposentos da prostituta.
— O que estás aqui a fazer?
— Estou só a respirar. Gosto de olhar para mamas depois de jantar, ajuda-me a fazer a digestão.
— Se assim é, 20 paus, estas mamas não laboram de graça.
Elogiei-lhe os cabelos, os olhos e por fim as tetas.