Em As Leis da Estupidez Humana, livro de Carlo M. Cipolla, historiador, divide a humanidade em quatro grandes grupos:
1) desamparados, 2) inteligentes, 3) bandidos, 4) estúpidos.
Para vos fornecer a atmosfera do livro, o melhor será recorrer a uma bela citação: “A lei insinua que quer nos movimentemos em círculos de gente distinta ou nos refugiemos entre as tribos coleccionadoras de cabeças da Polinésia, quer nos encerremos num mosteiro ou decidamos gastar o resto das nossas vidas na companhia de mulheres belas e lascivas, temos sempre de enfrentar a mesma percentagem de pessoas estúpidas — percentagem essa que irá sempre ultrapassar as nossas expectativas."
Resumindo em linguajar de taberneiro, há estúpidos a dar com um pau. Não obstante as mais generosas estimativas, eles serão sempre mais. A par dos ratos e baratas, o estúpido é a espécie mais bem sucedida de sempre — preparada para viver em qualquer habitat.
A beleza do fenómeno da estupidez, ao contrário de outros fenómenos, é que não está confinado a coordenadas específicas. Não precisamos de nos locomover para zonas remotas do globo com o fito de observar e documentar o comportamento de uma população de estúpidos no Pólo Norte, nos Alpes ou numa qualquer floresta com meia dúzia de árvores. Onde quer que o Homem tenha chegado o estúpido veio atrás — e prosperará sem entraves.
Primeira lei da estupidez humana: existirão sempre mais pessoas estúpidas do que pensamos. É imediatamente observável, quer para falcões, quer para míopes. Haverá sempre o estúpido incontornável, aquele que manifesta a sua estupidez com alarde e sem sombra de dúvidas. Há-os como a fruta: de todas cores, feitios e sabores. Há o estúpido franco-atirador: aquele que aparenta ser inteligente, mas que no fundo apenas está à espera do momento certo para disparar a sua estupidez letal.
O escrutínio detalhado é, amiúde, um viveiro de estúpidos.
Se nos parecem poucos — e caso não frequentem o twitter —, deve-se muito ao facto de a velocidade do nosso século — a qual mescla estupidez e inteligência na mesma cor.
Segunda lei da estupidez humana: a proporção de pessoas estúpidas é invariável em relação à segmentação intelectual, social e geográfica. A segunda lei pode desconcertar os mais ingénuos. De facto, a estupidez não é característica de um determinado grupo. É comum vê-lo em círculos académicos, círculos onde se pavoneiam artistas postiços, em tabernas, em igrejas, redes sociais e por aí vai. Friso para desmontar virtuosos e racistas de um golpe: a estupidez não depende do grupo. Não é por mudarem de uma taberna para uma universidade que o número de estúpidos diminui.
Mas não avancemos mais, necessitamos da definição de estúpido para não cometermos, enfim, parvoíces. Segundo o autor, estúpido é alguém que prejudica os outros sem procurar qualquer ganho para si mesmo — contrastando com o bandido, o qual ganha algo ao prejudicar-nos. No fim de contas, o estúpido, o qual talvez sonhasse ganhar algo com a sua atitude, não é senão um bandido sem talento.
Terceira lei da Estupidez humana.
Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa perdas a outra pessoa ou grupo de pessoas enquanto ela própria não retira nenhum ganho de acção e pode até incorrer em perdas.
Um dos defeitos das pessoas inteligentes, por norma sensatas, é serem incapazes de perceber o comportamento insensato. Grosso modo, o estúpido rege-se por outras leis. O que revela que o inteligente nunca é tão inteligente quanto pensa: é incapaz de compreender a natureza essencial da estupidez.
O grande desafio da estupidez, como comentado belamente por Maxime Rovere em O Que Fazer dos Estúpidos, é sua obstinação e o seu movimento errático. Além disso, a estupidez tem o condão de possuir nas suas fileiras missionários incansáveis no capítulo da conversão. O não-estúpido está sempre a uma discussão de ser convertido, daí o sucesso dessa religião. A estupidez é imprevisível; enquanto biólogo desses animais, o inteligente não consegue criar um padrão entre palavra, acção e reacção. Nenhuma fórmula é capaz de engaiolar todos os estúpidos.
Chegámos à quarta lei da estupidez humana. Resumidamente, o não-estúpido (supondo a sua existência) subestima sempre o poder destrutivo do estúpido. Mais tarde ou mais cedo, a relação com o estúpido revelar-se-á um erro gigante. A quarta lei está intimamente ligada à quinta: "Uma pessoa estúpida é o tipo mais perigoso que existe”. Dito de outro modo: a pessoa estúpida é mais perigosa que um bandido.
É o estúpido — figura-mor do nosso século — que destruirá o mundo e não o bandido, este não teria nada a ganhar com isso.
Em jeito de achega final, creio que há um detalhe que passou despercebido ao historiador Carlo M. Cipolla e ao filósofo Maxime Rovere. A ficção e os círculos concêntricos de estúpidos. Ao formarem comitivas de estúpidos, a estupidez consegue ficcionar o ganho. Em tempos idos, a ficção do ganho e o ganho seriam abissalmente diferentes. Porém vivemos num mundo conturbadamente pós-moderno, no qual hierarquias e fronteiras foram dinamitadas. A ficção, qual Genghis Khan em cima do cavalo da desinformação, conquista a pouco e pouco todos os terrenos da realidade. Ao fugir desses factos, os quais tanto o angustiam, o inteligente é convertido.
Bem feitas as contas, o estúpido continua a prejudicar-se e a não ganhar nada. Seja como for, não desprezemos o valor da reputação nos círculos de estúpidos.