Roberto Gamito
28.10.21
Plotino disse, armado em guru motivacional, que o livre-arbítrio incluía a capacidade de ter aquilo que se queria ter. Bastava criar a cama para esse cenário. Onde está cama ele terá escrito receptáculo — é desculpável, ao contrário de mim, não foi visitado pelas musas.
Com essa hipótese em cima da mesa, é-nos permitido avançar para terrenos inéditos e, quiçá, desfazer mal-entendidos. Todavia o homem contemporâneo, grupo do qual faço parte a contragosto, a minha vontade era pertencer ao mais respeitável grupo de orcas do século XXI, nem sequer é capaz de descortinar os seus desejos. É comum vê-lo a brincar — melhor dito, desesperar — qual gato a dar patadas no novelo das possibilidades. O livre-arbítrio há-de dizer: “Porra, belo destino o meu”.
Somos, ou temos o potencial de ser, mais do que Homens. Calma, não fiquem nervosos, não é uma palestra. Quando estiver a precisar de dinheiro, aviso-vos. Com efeito, estou a marimbar-me para vocês, sou uma espécie de Deus sem posses nem poderes. Atacando com carícias humorísticas a divindade que nos calhou em sorte no ocidente, Deus ou Yahweh, é útil metamorfosearmo-nos numa velha de aldeia e questionar: quem são os teus pais, ó forasteiro?
Deus pertence a uma linhagem de deuses da tempestade, aliás, Ele próprio foi em tempos um deus da tempestade. Sucedeu a Enlil, Baal, Adad e outros. A curiosidade da velha está como que satisfeita. Ao contrário dos primeiros deuses dessa dinastia das tempestades, Deus foi alvo de uma metamorfose enaltecedora. Passou de deus da catástrofe para deus do amor. Ao contrário dos outros, soube trabalhar a imagem como uma celebridade e ainda hoje retira dividendos de tal transformação.
Aproveitando o facto de estarmos a dissecar o cadáver de Deus, detenhamo-nos no sopro. Em muitas culturas, sopro significa criação. Quetzalcoátl nasceu quando o deus da existência respirou sobre a sua mãe. Tempos houve em que bastava respirar para cima de uma mulher para lhe causar uma gravidez. Segundo Lyall Watson, há mexicanos que ainda acreditam nisso. Pelo sim, pelo não há casais que dormem de costas voltadas para evitar sarilhos. Mal não há-de fazer.
Contudo há variações desse sopro maiúsculo mais de acordo com o Homem. O sopro criador pode ter várias origens — essas mesmo que provocam risos envergonhados nas crianças e adultos. O vento de Labosum, deus criador, era apenas um dos seus arrotos. Em outras zonas há mesmo sopros criadores mais humildes a sair do rabo (1).
Em suma, se acreditarmos nisto ou bebermos o suficiente, a criação tem três origens: respiração e suas variantes, o arroto e o peido. Vamos assumir que todas elas são viáveis e que herdámos esse poder dos deuses. Imaginem um mundo onde as mulheres podiam engravidar por quatro vias: 1) a sobejamente conhecida, que tantas alegrias dá aos praticantes desse desporto tépido; 2) um suspiro (os velhos ressurgiriam como garanhões); 3) um arroto (o perigo que era convidar uma mulher para ir beber uma coca-cola); 4) o peido (a feijoada seria doravante considerado um jantar romântico). Não minto se disser que seria um cenário caótico e maravilhoso. Não era perfeito, dado que num dia de cólicas podíamos engravidar cinquenta mulheres. Mas ao menos dava uma bela história para contar aos duzentos netos.
(1) De todas as hipóteses esta parece-me a mais viável. As provas estão à nossa volta.