Roberto Gamito
05.01.21
Quando estou em apuros, questiono-me: o que ainda não foi dito?
Na cultura, seja ela alta, baixa ou de estatura média, não existem rupturas totais com o passado, nem sequer uma continuidade absoluta. É uma interpretação de autor daquilo que nos persegue, quase sempre o passado. Além disso, não devemos descurar o futuro que há-de desabrochar no próximo passo. O artista precisa sempre de sombra — a sua matéria-prima de eleição — contra a qual objectar. A cada nova vaga de artistas, os pedestais são reavaliados. Há algumas correntes, os aduladores e os dinamiteiros, os que vivem de costas para o passado que os amedronta e a lista continuaria por vários dias se o nosso fito fosse a minúcia. Há quem esvazie os pedestais e substitua os gigantes de outros tempos por pardais. Dessa forma, terão mais hipóteses de os desafiar num futuro próximo. Adulam migalhas de forma a obter um combate que possam vencer no futuro.
Rebelar-se contra um gigante, nem que seja durante um curto parênteses de empáfia, implica uma viagem rumo ridículo, o qual será proporcionado pela derrota. Possivelmente, sucumbiremos aos entraves de subir ao cume. É preferível amputar com insultos o gigante, decepá-lo com historietas de origem duvidosa, reduzi-lo a pó do que pugnar contra ele numa luta justa. Aos olhos dos contemporâneos, essa estirpe de coragem acaba por ser um estorvo. Tornar-se-á um falhanço demasiado ruidoso. Tácita Muda, a deusa feminina do silêncio, era uma ninfa tagarela, principalmente de forma inconveniente, a quem Júpiter retirou a língua. A arte é dar voz a quem não tem voz. É desafiar Júpiter mesmo que ele nos roube a língua. É contar os segredos dos deuses e esperar.