Roberto Gamito
19.01.21
Ontem, isto é, no ano passado, era possível beber uma imperial sem complicações de maior. Tenho saudades desses tempos em que o espectro da baboseira ia muito além da política e da pandemia. Hoje, isto é, um dia qualquer, sinto essa ausência como quem carpe a morte de um familiar.
Rodeado de um enxame de maltrapilhos e engravatados, o taberneiro ia servindo imperiais, bifanas e amendoins de olho fechado, qual relojoeiro do boato. Tenho simpatia pelos taberneiros. São pessoas com conhecimento para fabricar uma bomba atómica com os restos dos petiscos enquanto palitam os dentes. E isso merece uma estátua. Após vários anos atrás do balcão, que é como quem diz, quando já tomaram o pulso à atmosfera da taberna, bailam graciosamente entre a máquina de café, uma questão de política externa e o facto de o António dos Caracóis ter voltado para a mulher, a qual, segundo as más-línguas, é a furgoneta da vila. Ao início, como se fizesse parte de um ritual, o recém-chegado à taberna é merecedor de um bom-dia. Com o tempo, a relação evoluirá para um “onde é que tens andado, meu cabrão?” Bons dias personalizados, imperiais como deve ser, um pires de amendoins e por momentos o homem, outrora esfalfado, existencialmentne esfrangalhado, quase fareja a felicidade. Não podemos desejar muito mais que isto.
Realizados todos estes trâmites destinados ao estreitamento de laços entre a fauna da taberna, recuperam-se temas antigos e os convivas entregam-se à filosofia das minudências num tom exaltado, próprio dos apaixonados. Espero ansiosamente para que estes tempos áureos regressem.