Roberto Gamito
20.02.21
Aprendemos, por tentativa e erro, a tecer as nossas vidas. Ninguém nos ensina a fabricar uma teia em condições, pelo que, ao poisarem nela, os sonhos rapidamente esvoaçam para longe, ridicularizando a esparrela. O fardo de uma vida desprovida de alegria, a qual podíamos traduzir como vida sem norte, sem destino, uma vida de autêntico náufrago. Podíamos afirmar, sem exagero, que o Homem, enquanto bicho acanhado a braços com a sua vida, é o protagonista num palco inclinado, quer vejamos a peça como tragédia ou farsa.
Dessa cisão entre o que foi e o que poderia ter sido irrompe o eflúvio que contamina os passos ulteriores. A ficção sangra e afugenta o futuro.
A inflação da depressão desgastou as relações industriosas com o mundo para lá do ponto de ruptura. Personagem ou o meu retrato?
Os demónios, hierarquizados numa escala de gritos, aguardavam nos bastidores por esta oportunidade a fim de que as suas ideias fluíssem sem obstáculos para o vazio gerado pela depressão.
O suicídio passou a atormentar-me os dias. Condenado à competição perpétua com os cães que me abocanham, qual Actéon tornado veado, reinterpreto a minha biografia como um erro dispendioso.
O fogo dos últimos dias não deve ser consumido cru. Queremos exercer o controlo das nossas vidas, mas o titereiro não consente.
No âmago, as frases desordeiras descrevem, ao chegarem à mão fragmentadas, um sentimento de frustração. Volta e meia renasço. O amor pelas pequenas coisas arruinou a minha experiência.